Não dá
para negar ou escamotear: a morte sempre é uma perda. A fé e a religião não
podem ter a pretensão de oferecer soluções fáceis ou orações que funcionam como
calmantes para o real fracasso que a morte representa. No momento em que a pessoa,
no alto da sua maturidade, acumulou experiências, selecionou ensinamentos e provou
a sabedoria, os amigos não podem mais contar com ela. E o que dizer quando um
jovem, com toda a vida pela frente,
materialização dos nossos sonhos e utopias, nos é roubado brutalmente? É
como a água que foge da palma da mão e corre entre os dedos...
O vazio
deixado pelas pessoas queridas que se foram é tão grande e a certeza de que
seguiremos o mesmo rumo desconhecido é tão desconcertante que procuramos
desesperadamente domesticar e dar um sentido a isso que chamamos morte. Não
descansamos antes de construir pontes de palavras e símbolos que sinalizam
nossa comunhão com aqueles que estão no lado de lá: as flores, as velas, a
oração de súplica e de agradecimento, as fotografias, a narração da vida de
quem se foi, a visita ao cemitério... Símbolos e gestos de saudade, reflexão e esperança.
As flores
lembram a beleza inigualável das pessoas que tivemos a graça de amar e nos
amaram gratuitamente. Não lembram propriamente pessoas perfeitas e puras,
firmes e inabaláveis, mas seres que em sua insuperável ambiguidade nos ajudaram
a sermos melhores. Mesmo quando têm seu brilho diminuído pela penetrante luz do
sol, as velas que acendemos junto das sepulturas ou noutros lugares pretendem resgatar
o suave brilho daqueles olhos e rostos quase apagados pelo tempo. Como nos
parecem luminosos aqueles dias em que compartilhávamos a vida com as pessoas
queridas...
O dia dos
Finados é também um oásis de reflexão no árido deserto da inconsciência e do ativismo.
Todos sentimos necessidade de parar um pouco, avaliar nossas escolhas, fazer um
balanço dos resultados obtidos, reordenar os valores que nos orientam,
discernir o valor absoluto escondido em cada instante, desfrutar o gosto de
paraíso de tantas experiências. Também aqui as flores nos ajudam: sendo belas e
frágeis, elas nos falam da beleza e da vulnerabilidade da nossa existência;
hoje estamos fortes e exuberantes, mas amanhã podemos murchar, secar e
desaparecer.
Deus pai e mãe, origem e destino do nosso caminhar.
Tua luz brilha na fragilidade da vela que se consome; teu amor é permanente na
fragilidade e na beleza das flores; tua vitória sobre o absurdo se revela em
cada manifestação de amor, de comunhão e de esperança. A morte dos nossos
queridos arranca nossa pele e nos deixa em carne viva, mas nós cremos que nos
vínculos que nos unem para além de qualquer interesse egoísta nós veremos teu
rosto. Ajuda-nos a te encontrar nestas encruzilhadas nebulosas às quais a vida
nos leva e a agradecer pelos amigos que já partiram. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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