Que o Evangelho de Jesus ressoe em meio a
tantas más notícias!
Na pessoa de Jesus Cristo, Espírito e Palavra
coincidem com exatidão, sem falta e sem sobra. Pregação e ação, promessa e presença
se identificam. Depois do batismo, conduzido pelo Espírito, Jesus vai ao
deserto para enfrentar e vencer as tentações, deixa o deserto e se se insere
nas tradições e lutas do seu povo. Ele inicia sua vida pública nos povoados e
sinagogas da Galileia. “Ele ensinava nas sinagogas e todos o elogiavam.” Sua
ação é como de um mestre e reformador eloquente e experimentado. Mas ele não
pretende simplesmente negar as instituições da sua religião e começar tudo de
novo.
Jesus frequenta a sinagoga junto com seu povo,
e isso é um hábito, e não algo que faz esporadicamente. O evangelista Lucas diz
que este era um costume de Jesus. Isso revela uma atitude de discípulo. Como
qualquer pessoa que se põe nos caminhos de Deus, Jesus necessita de um
horizonte e de uma referência para sua vida e sua missão. Sedento de utopias
humanas e faminto das promessas de Deus, ele busca orientação na Palavra de
Deus. Num sábado, procura diligentemente e encontra a passagem na qual o
profeta Isaías tenta suscitar a esperança num povo radicalmente desesperançado.
Como Esdras fez no passado, Jesus lê a palavra
que Deus suscitara mediante o profeta “para todos os homens e mulheres e todos
os que tinham uso da razão”. Mas a lê também para si mesmo, buscando nela uma
orientação para melhor entender sua missão. “Anunciar a Boa Notícia aos pobres;
para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista;
libertar os oprimidos, e para proclamar um ano da graça do Senhor.” O Espírito
e a Palavra enviam seus ungidos a uma missão historicamente engajada e
relevante, sempre em favor dos últimos. Estes não são indiferentes ou estranhos
ao povo de Deus.
Não resisto à tentação de comparar o discurso
inaugural de Jesus com o discurso de campanha e de posse daquele que, com o
nome de Messias, assumiu a presidência da república do Brasil. Imaginem Jesus
anunciando que veio para que todos possam ter sua arma, para impedir que os
indígenas tenham sequer um centímetro de terra demarcada, para matar os 50 mil
que a ditadura não matou, para promover uma guerra sanadora, para que os
últimos continuem no fim da fila... O que me parece inacreditável é que esse
senhor diz agir guiado por sua fé, e é incensado por multidões que professam
publicamente sua fé em Jesus Cristo!
Jesus desenvolveu sua missão evangelizadora
num tempo em que a gratuidade não estava em alta. Os invasores romanos exigiam
tributos, mesmo às custas da miséria do povo, e os sacerdotes do templo
cobravam a reparação ritual até das faltas mais irrelevantes. Para o judaísmo,
pobres, presos, cegos e oprimidos eram pecadores e, por isso, devedores,
“vagabundos”. Para os líderes religiosos, os pecados e impurezas do povo
deveriam ser pagos sem descontos. A pregação do perdão pelo arrependimento era
coisa muito recente e suspeita, sustentada pelo profeta que batizava nas
margens do rio e poucos outros...
Jesus vai à Sinagoga para resgatar uma
esperança popular enraizada na própria escritura e para questionar a pregação
oficial. Ele entende que sua missão é anunciar que chegou o tempo do jubileu,
do cancelamento de todas as dívidas, da remissão de todos os pecados: enfim, um
tempo de misericórdia, e não de sacrifícios. Para Jesus, Deus não é nem
delegado de polícia, nem agente do Serviço de Proteção ao Crédito, um capitão
do exército. Seu anúncio é um Evangelho é, literalmente, uma boa notícia. Por
isso, não pode ser reduzido a uma pesada e sofisticada doutrina moral, imposta
a um povo já cansado e abatido.
A ‘homilia’ que Jesus fez sobre a profecia que
acabara de ler foi breve e concreta. “Hoje se cumpriu esta passagem da
Escritura, que vocês acabam de ouvir.” A comunidade, que estava como que
suspensa diante da proclamação da Palavra e tinha os olhos fixos no jovem
pregador, foi por ele chamada ao presente concreto. Como ouvinte habitual da
Palavra de Deus, Jesus percebe que o tempo está maduro e que Deus se dirige a
ele. O filho amado é também o profeta e reformador esperado. Quando a profecia
não se realiza no engajamento nas lutas e movimentos de libertação, é apenas
meia-palavra.
Jesus de Nazaré, ouvinte da Palavra do pai e
Palavra que se faz carne para que toda carne se torne Palavra: ensina-nos a
levar sério o teu Evangelho. Com Paulo, teu apaixonado missionário, descobrimos
que teu corpo é formado de muitos e diversos membros, unificados por teu
Espírito. Ajuda-nos a reconhecer nos pobres membros que precisam ouvir boas
notícias; nos oprimidos, membros que necessitam da tua liberdade; nas pessoas
dependentes e endividadas, gente que tem o direito à gratuidade. Assim seja!
Amém!
Itacir
Brassiani