Jesus precisa de nós para tornar o mundo mais
humano!
A liturgia do quinto domingo da páscoa é
inteiramente iluminada pela bela imagem da videira e dos ramos. Mas é
importante lembrar o contexto literário desta bela metáfora: ela dá
continuidade à catequese que Jesus desenvolve no contexto da última ceia e do
lava-pés, ao profundo e exigente diálogo pedagógico no qual ele, como Mestre,
passa e repassa com intensidade e cordialidade aspectos centrais do seu ensino
e do testamento que deixa aos seus Discípulos. O ambiente está menos para
poesia e mais para testamento, para a comunicação da sua vontade última mais
profunda.
Jesus começa apresentando a si mesmo como a verdadeira
videira. Portanto, ele não apenas toma a tradicional metáfora da videira e a aplica
a si mesmo, mas se contrapõe e toma o lugar de uma outra videira potencialmente
falsa. Qual é a videira não-verdadeira, aquela que é ultrapassada por Jesus? É
Israel, no seu sentido de unidade política e religiosa. Através do profeta
Jeremias Deus diz, dirigindo-se a Israel: “Eu havia plantado você como lavoura
especial, com mudas legítimas. E como é que você se transformou em ramos
degenerados de vinha sem qualidade?” (Jr 2,21; cf. Is 5,1-7; cf. Ez 19,10-12)
Um segundo aspecto que Jesus sublinha é sua
relação com os discípulos. Essa relação é ilustrada pelo vínculo entre a cepa
da videira e os seus ramos. Trata-se de uma relação de recíproca dependência: a
cepa só pode frutificar através dos ramos, e os ramos, por sua vez, só produzem
frutos se permanecem ligados à cepa. “Fiquem unidos a mim e eu ficarei unido a
vocês... Porque sem mim vocês não podem fazer nada.” Da mesma maneira que a
videira necessita dos ramos para produzir uva, Jesus Cristo necessita hoje das
nossas ações concretas para amar, servir e libertar.
Por outro lado, como os ramos nada podem e
nada produzem sem a seiva que lhes vem gratuitamente da cepa, assim também os
discípulos de Jesus pouco conseguem fazer de bom e duradouro se não
permanecerem profunda e radicalmente ligados a Jesus Cristo. E essa união não
se dá apenas no nível dos sentimentos ou dos pensamentos, ou da doutrina e da
forma, mas da atitude de fundo e da ação. Mais ainda: é a identificação com seu
dinamismo de encarnação e com o dom total na ceia e na cruz. É na força dessa
união que podemos ser sinais de ressurreição, promotores da Justiça e
defensores da democracia, livres do engodo das falsas lutas contra a corrupção.
Sem isso seremos como ramos estéreis.
Um terceiro aspecto ressaltado pela alegoria
da videira é o seguinte: para que produza frutos bons e abundantes, esse
vínculo dos discípulos com Jesus Cristo, como a inserção do ramo na cepa, não é
um dado estático, algo automático ou tranquilo, mas um processo ativo e vivo
que conhece exigências e requer decisões, um dinamismo de permanente limpeza e
poda. Não podemos esquecer que a páscoa, antes de ser uma vitória olímpica
sobre a morte, é o dom livre e exigente de si mesmo e a descida aos escuros
corredores da morte. “Os ramos que dão fruto, o Pai os poda para que deem mais
frutos ainda.”
E é bom lembrar que, na cultura da uva, a
prática da poda tem como objetivo eliminar os fatores de debilitação e de morte
e, ao mesmo tempo, direcionar as energias para os frutos. E há também o corte
dolorido e violento para enxertar o ramo numa cepa comprovadamente boa... Para o
discípulo, o seguimento dos passos de Jesus Cristo na ceia, no lava-pés e na
cruz que leva à ressurreição é um caminho de progressiva inserção numa
comunidade de irmãos e irmãs e de conversão do ‘eu’ ‘nós’. E sempre sem perder
de vista que o objetivo dessa espécie de poda são os frutos...
Embora já saibamos, é bom recordar também que
ficar unido a Jesus Cristo ou permanecer nele não significa simplesmente
frequentar o culto ou a missa assiduamente. Quando Jesus pede ‘fiquem unidos a
mim’, está insistindo que mantenhamos e aprofundemos nossa adesão ao caminho
que ele propôs e percorreu: aceitar a vulnerabilidade para fazer-se próximo,
não perder a vida correndo atrás de ambições vazias mas entregá-la livremente
para que todos vivam melhor. Jesus já havia dito: “Quem come a minha carne e
bebe o meu sangue permanece em mim e eu permaneço nele.” (Jo 6,56)
Jesus de Nazaré, videira verdadeira: sem a
seiva da tua palavra morremos de anemia; sem a força que vem de ti, produzimos
apenas frutos poucos e amargos. Por isso, dá-nos teu Espírito e sustenta-nos no
amor fraterno e solidário aos nossos irmãos e irmãs. Recria tua Igreja na
comunhão de carismas e ministérios. Alimenta-nos com a tua santa Seiva e
suscita apóstolos destemidos, como aqueles da primeira hora. Sustenta-nos
unidos a ti e, ao mesmo tempo, criativos e perseverantes na missão. É isso que
te pedimos hoje, desejosos de que tua Palavra permaneça em nós e nós
permaneçamos no teu amor. Amém! Assim seja!