Ascensão geralmente lembra subida, elevação,
distanciamento e superioridade. Mas é também uma metáfora que expressa a
experiência de ser destacado, promovido e reconhecido. Parece ser este último o
sentido original e mais profundo da boa notícia pregada pelos cristãos a respeito
de Jesus de Nazaré: anunciar sua ascensão é uma outra forma de proclamar sua
ressurreição, de afirmar que a pedra rejeitada pelos construtores tornou-se a
pedra principal, de renovar a adesão a ele e o engajamento na missão que ele
cumpriu e confiou em testamento as seus discípulos.
São Paulo experimenta pessoalmente como o
Espírito Santo revela Deus em sua amável nudez e ajuda a conhecê-lo em
profundidade. Conhecer Deus assim como ele se revelou em Jesus de Nazaré
significa reconhecer e assimilar a esperança para a qual nos chamou e a herança
gloriosa que nos deixou: ser seu corpo vivo na história, corpo abaixo do qual
tudo o mais foi colocado, e acima do qual nada de significativo existe, fora o
próprio mistério de Deus. E é isso que Paulo anuncia e deseja que também nós
experimentemos: que o Espírito conduz ao conhecimento de Deus e à fidelidade ao
seu amor.
O Jesus Cristo no qual cremos e em nome do
qual vivemos não é um espírito que se compraz em esvoaçar acima do mundo. Ele
compartilhou conosco a corporeidade e sentiu fome; experimentou conosco a busca
e a sede; dividiu conosco a angústia e a ternura; provou o mel do amor e o fel
da traição; abriu conosco e para nós um caminho de vida no frio corredor da
morte; espalhou sementes de liberdade nas terras infectadas pela erva daninha
da indiferença. É assim, nesta concretude humana e histórica, que ele nos
revela o mistério mais profundo de Deus, diante do qual se dobram nossos
joelhos.
Professando a ascensão de Jesus, a comunidade
cristã quer ressaltar mais uma vez que aquele corpo humano e marcado pelo
trabalho, aquele homem contestado e condenado é assumido e reconhecido pelo
próprio Deus como a expressão plena e cabal de si mesmo. Mas a ascensão enfatiza
também que a vida cristã é muito mais que espera passiva da plenitude celeste.
Os discípulos de Jesus de Nazaré não podem se acomodar na simples contemplação
de alguém que subiu ao céu, mesmo que este alguém seja o próprio Jesus Cristo.
“Por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?”
A ascensão também não é algo que tem a ver
apenas com Jesus de Nazaré. Ele é o primogênito de muitos irmãos e irmãs. Ele é
a cabeça de um corpo composto de muitos e variados membros. À glorificação do
primogênito segue a honra dos seus irmãos e irmãs, começando pelos considerados
menores. À elevação da cabeça segue o reconhecimento da dignidade daqueles que
realizam sua vontade. É famosa inversão enfatizada por Jesus na sua pregação:
na lógica do Reino de Deus, os últimos passam a ser os primeiros. E isso não
vale só para um futuro incerto: é fato e convicção já agora.
Então, a ascensão de Jesus Cristo não é
unicamente o fim de sua presença física no meio de nós: é também o início de
nossa missão em seu nome, no dinamismo do Espirito que ele nos envia. A
liturgia da ascensão está inteiramente focada nesta responsabilidade
intransferível e inadiável da comunidade cristã. Convictos de que o Crucificado
foi exaltado, os cristãos vencem o medo e se tornam testemunhas de Jesus Cristo
no coração do mundo e nos pulmões da história. E, nesta missão, se recusam a
reconhecer fronteiras políticas e culturais, e não se intimidam diante da
própria fraqueza.
Sendo uma forma de manter viva a memória de
Jesus de Nazaré, este testemunho tem força de transformação. Amparados na
certeza da glorificação de Jesus, ostentamos em nosso corpo as marcas da
crucifixão de Jesus Cristo. Na qualidade de testemunhas, anunciamos Jesus
Cristo, defendemos aqueles por quem ele deu a vida, atestamos a veracidade do
seu caminho e a beleza do seu projeto de vida. E descobrimos que é o próprio
Sopro de Deus que nos faz testemunhas “em Jerusalém, na Judéia, na Samaria e
até os confins do mundo... Estou convosco todos os dias, até o fim dos
tempos...” A missão sempre começa por onde estamos, mas não se detém no limite
dos muros de defesa que levantamos...
Deus Pai e Mãe, mistério de amor que acolhe e
envia, que gera comunhão e dispersa em missão: aqui estamos para pedir que em
nós se cumpra a tua promessa. Envia à tua Igreja e a cada fiel o fogo do teu
Espírito. Faze de nós uma comunidade em missão, um povo que congregue em seu
seio todos os homens e mulheres de boa vontade, que seja uma imensa caravana
empenhada no resgate da cidadania e da dignidade dos teus filhos e filhas, em
todos os quadrantes da terra. Ajuda as Igrejas a buscarem a unidade, sem
superficialismos, demoras ou desculpas. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf