O contexto teológico da narração da transfiguração
de Jesus é o evento fundante do êxodo. A montanha remete ao monte Sinai, lugar
da Aliança num contexto de crise e tensão. As tendas propostas por Pedro
recordam a tenda do encontro e a tenda da Aliança, companheiras de um povo em
saída. A nuvem que encobre e envolve Pedro, Tiago e João acena para a nuvem
luminosa que guiou e protegeu o povo peregrino. No imperativo “escutai!” ressoa
o mandato central “escuta, Israel!” e o anúncio da vinda futura de um profeta
grande como Moisés. E Moisés e Elias estão visceralmente referidos ao êxodo e à
Aliança. Ouvir, crer e sair são verbos e dinamismos centrais na transfiguração
e na vida do padre!
Não podemos deixar de notar também onde
acontece esse evento no qual Jesus é confirmado em sua filiação divina, e também
a quem se dirige essa revelação. A experiência é feita em um lugar remoto,
longe de Jerusalém e de Roma. E o destinatário dessa revelação não é a elite
religiosa e política do judaísmo, mas um pequeno grupo de discípulos, oriundo
das camadas sociais mais baixas, suspeitos aos olhos dos lideres religiosos. As
periferias e margens são relevantes aos planos de Deus! Para ele e no seu
reino, os últimos da escala social devem ser os primeiros! Eis o horizonte do
ministério ordenado!
Mas não pode passar despercebido também o
contexto temático no qual transcorre a cena da transfiguração de Jesus. Os
fariseus lhe pediam um sinal vindo do céu, menos material e menos exigente que
a compaixão que saciara a fome do povo. Os discípulos, mesmo reconhecendo
formalmente que Jesus está entre os profetas e é filho do Deus vivo, murmuram e
resistem a ele porque não conseguem assimilar um Deus e um Messias despojado de
poder e essencialmente compassivo. Como Pedro, se o padre não se coloca atrás
de Jesus, não leva a sério o que ele diz, não é discípulo mas pedra de tropeço!
Jesus de Nazaré, o filho de Deus que chama os
diversos ministros e ministras e se lhes oferece como modelo, é
substancialmente Servo, e não usa a roupagem do poder e da violência imperial.
Ao contrário, se dá inteiramente ao sofredor povo que ele ama, compartilhando
com ele a utopia e o destino de morte e ressurreição. Os discípulos não
conseguem ouvir e entender este convite a tomar a cruz e seguir Jesus, não
conseguem aceitar que é perdendo a vida pela Boa Notícia que a encontram. É
mentirosa a pregação de um Jesus glorioso feita por ministros que se portam mais
como vencedores que como servidores!
Impressionado com a visão, Pedro toma a
palavra e expressa seu desejo de congelar aquela que deveria ser uma
experiência que leva para fora, para baixo e para frente. Deus interrompe a
fala de Pedro e sublinha que, antes de falar e propor, é preciso escutar e
assimilar o caminho de Jesus, o esvaziamento e o serviço. Escutar Jesus é uma
qualidade central do discipulado, é entender Jesus tomando a própria cruz do
esvaziamento e da compaixão. Para pregar a Boa Notícia de Jesus, o presbítero
precisa antes se familiarizar com ela, viver como discípulo e servidor,
compassivo e misericordioso.
Itacir Brassiani msf
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