O Senhor é presença e companhia em todas as
travessias!
A vida é uma travessia, e crer é caminhar. As
travessias costumam ser arriscadas e causam medo. Há aqueles que preferem
evitá-las sempre, convictos de que o risco não compensa. São pessoas que fecham
os ouvidos a todo e qualquer chamado; padres que desempenham sua missão
pastoral como uma atividade qualquer ou até como uma carreira; pais e famílias que
se recusam a assumir sua missão de educar seus filhos para o amor; fiéis que
preferem as velhas e potentes imagens de Deus ao desafio de descobri-lo na brisa
leve da luta pela justiça...
Mas a revelação de Deus é experimentada mais
claramente nos movimentos de passagem que na estabilidade dos templos e dos
lugares-comuns: do Egito para a terra prometida; do centro para a periferia; do
eu para o nós; da aparente segurança das cavernas para o descampado estimulante
da montanha; do poder para o serviço; da autossuficiência para a entreajuda; do
peso das estruturas eclesiásticas para a leveza e a criatividade do Espírito.
Parece que Deus não gosta de se estabelecer! A Deus agrada mais o campo aberto
e as estradas que os templos e palácios...
Como nos lembram sobejamente os evangelhos, os
discípulos de Jesus imaginavam um Deus indiferente às necessidades dos famintos,
ou suficientemente poderoso para resolver todas as dificuldades do povo. Esta é
a imagem de Deus que predomina nas diversas religiões e em amplos setores do
povo católico ainda hoje. Mas Jesus revela-se um Deus compassivo com os pobres,
um Deus que tem necessidade da nossa colaboração – nem que seja apenas cinco
pães e dois peixes! – na sua ação libertadora. E é ele que nos convida a
superar o medo e confiar na sua presença em todas as travessias.
Infelizmente, apesar dos séculos de pregação,
as imagens de um Deus poderoso e ameaçador, ou então nacionalista e ligado aos
interesses de pequenos grupos, ainda não se apagaram da nossa memória.
Ensinaram-nos que Deus se revela no poder destruidor dos terremotos, no fogo
devorador das ideologias totalitárias, no mistério aterrador dos furacões, nos
pesados decretos que condenam, na dura punição aos que erram. Segundo essa
ideologia religiosa, Deus seria onipotente, onisciente e onipresente. Quanto
mais poder ou saber alguém possui, mais se pareceria com Deus...
Diante de um Deus com estas características,
caímos por terra ou gritamos de medo. E do ventre do medo não costuma nascer o
amor que se faz dom, mas a agressividade da autodefesa ou da dominação. Um Deus
com tais traços é um fantasma, uma fantasia que se abriga nas pessoas que não
superaram o desejo infantil de onipotência. E esse fantasma, via de regra, está
a serviço das diversas formas de dominação e de infantilização religiosa,
econômica e política. Parecemo-nos com Pedro, que tenta caminhar sobre as
águas, revelando seu desejo de participar da presumida onipotência de Deus...
É o medo dos ventos contrários, das diferenças
e dos questionamentos que gera a dúvida e nos leva a afundar, tanto em termos
humanos como espirituais. O medo não nasce da verdadeira experiência de Deus,
mas de uma imagem parcial ou confusa de Deus. É isso que percebemos nos
discípulos no episódio da travessia do mar: a força do vento e das ondas, que
fustigam a barca como a tirania dos poderosos, somada à ideia de um Deus que
caminha indiferente sobre as ondas, arranca-lhes gritos de pavor. É essa dúvida
sobre a divindade de um Jesus frágil e compassivo leva Pedro a afundar
apavorado!
Na carta aos Romanos, Paulo lamenta que seus
irmãos de raça e sangue tenham se apegado às leis, à religião, às instituições
e às promessas como se fossem um privilégio que os colocam acima dos demais
seres humanos e povos e fora das peripécias e exigências da história. Talvez
seja esse o maior obstáculo aos acordos de paz em vista da justiça, tão
necessários na Síria como na Venezuela e no Brasil. Isso nos lembra que
filiação é um dom e uma graça que carregamos como tesouro e em vasos de barro,
e jamais um privilegio ou uma propriedade. Nem todos aqueles que ostentam o
título de cristãos o são de fato...
Deus, pai e mãe, presença amorosa e
encorajadora em todas as humanas travessias... Tu conheces a generosidade e a
ambiguidade, a coragem e o medo de cada um de nós. A tentação continua levando-nos
a te procurar no fogo, no terremoto, na ventania, nos acontecimentos que
impressionam. Vem ao nosso encontro como vento calmo e benfazejo, como o calor
sereno e acolhedor do colo dos melhores pais. Socorre nossa pouca fé e cura as dúvidas do
nosso coração e os desvios do nosso afeto. Ensina aos pais o cuidado dos filhos
e filhas, colocando-te entre eles e guiando-os como modelos de vida, e não como
patrões e senhores. E que nossas famílias sejam escolas de comunhão e
generosidade. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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