Não ocorre lamentarmos a morte de pessoas que
consideramos más, ou que não tiveram uma influência positiva sobre nós. Também
conhecemos gente que se dispõe a antecipar o fim da vida de pessoas a quem
consideram inimigas, e até da própria vida, quando esta lhes parece difícil,
triste, sem sentido e sem futuro. Mas tudo muda de figura quando se trata do
fim de uma vida plena de sentido, ou de uma pessoa a quem queremos bem e que nos
é preciosa. A morte das pessoas que nos são caras abre as portas da crise e nos
chama à busca de sentido. Se essas mortes não nos assustam, ao menos nos entristecem.
No evangelho de hoje, Marta, irmã de Maria e
Lázaro, procura em Jesus um sentido para a morte Lazaro, seu irmao e amigo de
Jesus, uma pessoa justa, boa e querida. Marta começa cobrando a demora e o
aparente descaso de Jesus: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria
morrido!...” De fato, Jesus havia sido informado da enfermidade de Lázaro, e o
desejo de prolongar e tornar menos difícil a vida das pessoas que amamos é
muito normal. Mais adiante, Jesus vai se mostrar comovido com a dor de Maria e
de Marta, e sua comoção suscitarão admiração. “Vejam o quanto era amigo dele!...”
Na boca de alguns que acompanhavam os irmãs
enlutadas aparece um questionamento que também nos ronda, especialmente quando
da partida dos nossos entes queridos: “Se ele curou os cegos e os mudos, se ele
nos ama de verdade, porque permite que isso aconteça?” Respondendo A Marta,
Jesus afirma que Lazaro ressuscitará, e isso não apenas num futuro distante,
como apregoava a doutrina do judaismo. “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem
crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim não
morrerá jamais.” E termina com uma
pergunta incisiva: “Crês nisso?”
Por trás do diálogo tenso entre Jesus, Marta e
Maria está uma questão muito importante e atual: o que esperamos de Jesus? Apenas
cura, prolongamento da vida e reestabelecimento de uma situação do passado, ou
vida plena, vida com densidade e força tais que nenhuma forma de morte pode
estancar? Porque é Vida e Caminho de amor e compaixão que a ela conduz, Jesus é
ressurreição, expressão da glória de Deus. Com seu modo de ser e de agir, com
sua proposta de vida, Jesus suscita vida e, por isso, também a re-suscita. Nele
encontramos a vida saborosa e intensa que desejamos, uma vida destinada a ser
semente que germina, luz que não se apaga.
Como Lázaro, a pessoa que adere a Jesus Cristo
e escuta sua Palavra, que refaz o seu caminho, vive sob impulso do seu Espírito
e por ele se deixa guiar, sai para fora, não se deixa amarrar por nada,
continua suscitando vida. A vida de tais pessoas é mais que uma história a ser
recordada, louvada ou lamentada: é percurso que continua aberto, Travessia
ainda em curso, beleza que continua atraindo, dinamismo que continua movendo e
sustentando outras vidas. E isso sem entrar na complicada e controversa questão
de uma existência pós-histórica, em moldes semelhantes à nossa vida presente.
Como discipulos de Jesus Cristo, cremos que a
vida humana, e todas as demais expressões da vida, é pascal, ou seja: é
Travessia, Passagem, Caminho. A história – nas suas dimensões de passado,
presente e futuro – e o Corpo – nas suas dimensões de interioridade e
exterioridade – são a paisagem, o chão e a expressão da vida, mas não a
esgotam, nem a detém. Quem desiste de peregrinar rumo ao outro mundo possível,
renega a fé em Jesus Cristo e morre definitivamente, mesmo que continue
biologicamente vivo, enquanto que uma vida doada pela Vida jamais será tragada
pela morte.
Jesus de Nazaré, Unigido do Pai para suscitar
e ressuscitar a Vida! Também tu viveste a fragilidade e amaste desmedidamente.
Como a tua, também nossa existência é pó que o vento leva, é erva que o calor
seca. Ajuda-nos a vivê-la em ti, no teu espírito, no dinamismo da tua compaixão
humanamente divina e sem medo do nada da morte, pois a bondade tua e do teu e
nosso Pai nos é dada desde sempre e dura para sempre. Ensina-nos a cumprir a
apaixonante Travessia do nosso viver, e que a lembrança daqueles que entraram
na morada definitiva ilumine e perfume nossa estrada. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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