Hoje a
festa é de todos os santos e santas. E esta é a oportunidade para lembrar que a
verdadeira santidade se manifesta na vida das pessoas que ousam sair do
estreito limite dos seus próprios interesses e se se aproximarem solidariamente
dos últimos; que vão aos rincões mais distantes para levar a bandeira da paz;
que são movidas por uma insaciável sede de justiça; que choram as dores dos
povos de todas as cores, e provam o fel da violência e da perseguição; que
transformam a terra pela mansidão. Celebremos a alegria de participar de uma imensa caravana de homens e mulheres que sonharam e viveram desse modo.
A recente canonização da Santa Irmã Dulce dos
Pobres não deve nos induzir a esquecer das santas e santos esquecidos, daqueles
que não chegaram aos altares e não têm um dia especial ou um nome conhecido,
que gastaram a vida anonimamente e cujos milagres não cabem nas estreitas
regras canônicas que enquadram os milagres; e até de gente que não rezou pelo
nosso catecismo, como Lutero, Martin Luther King, Gandhi, Betinho e tantos
outros. Hoje celebramos a memória de todos aqueles que nos antecederam na fé e
cujo testemunho mantém a Igreja e a humanidade no caminho certo, apesar das
suas ambivalências.
Mas a celebração de todos os santos e santas
também não deve nos levar a olhar somente para o passado. É oportunidade e
provocação para refletir sobre a vocação fundamental de todos os cristãos. É
verdade que a santidade é um caminho estreito e uma vocação exigente, mas isso
não significa que seja reservada a alguns grupos especiais de cristãos. Há
quase 60 anos o Concílio Vaticano II proclama de forma clara e inequívoca,
contra a ideia predominante nas Igrejas, que a santidade não é privilégio dos ministros
ordenados e das pessoas consagradas. Muito antes, a história já havia
comprovado o que agora é proclamado solenemente.
Na passagem do milênio, o hoje São João Paulo
II nos provocava a não contentarmo-nos com pequenas medidas, com voos rasantes
e ideais nanicos, e pedia que aspirássemos nada menos e nada mais que à
santidade. E este chamado à santidade, que é para todos, precisa se transformar
em desejo pessoal e em decisões e ações concretas. Como diz São João, nós somos
chamados filhos de Deus e já o somos desde agora, mas somos desafiados a
crescer na identificação com Jesus Cristo, a gravar no corpo e na mente as
marcas de Jesus Cristo. “Seremos semelhantes a ele...” E isso deve ser mais que
um simples sentimento.
Jesus Cristo é o verdadeiro e perfeito santo
de Deus e, ao mesmo tempo, o caminho para a santidade. Não há santidade à
margem do seguimento de Jesus Cristo, mesmo que tal seguimento seja implícito.
Trata-se de refazer o caminho prático trilhado por Jesus: “amar como Jesus
amou; sonhar como Jesus sonhou; pensar como Jesus pensou; viver como Jesus
viveu; sentir como Jesus sentia...” Este é o caminho para que, no meio ou no
fim do dia e no meio ou no fim da vida, sejamos felizes, bem-aventurados, santos.
O caminho para santidade, percorrido pelo próprio Jesus Cristo, é pavimentado
pelas bem-aventuranças!
A bela mensagem deste trecho do “sermão da
montanha” apresenta os sinais que indicam o caminho da santidade. Jesus não
fala de oito grupos específicos de pessoas, mas de oito características daqueles
que percorrem este caminho. Esta via sagrada começa com a pobreza e termina com
a perseguição, que não representa um obstáculo, pois o Reino de Deus é antes de
tudo dos pobres e dos perseguidos. A consolação é para os aflitos, a terra é
para os mansos, a saciedade é para os famintos, a misericórdia é para os
compassivos, a visão de Deus é para os puros e a filiação divina é para os
promotores da paz.
Felicidade e santidade não significam ausência
de dificuldades, mas realização plena e profunda do ser humano. Mais que
perfeição, santidade é perseverança no amor e no serviço solidário. Passa longe
do Evangelho uma santidade que se resuma em práticas de piedade e devoções.
Está distante da essência humana uma felicidade baseada no sucesso pessoal,
indiferente à sorte dos semelhantes. As pessoas que se vestem de branco e
trazem palmas nas mãos são aquelas que vieram da grande tribulação, que lavaram
suas vestes no sangue do Cordeiro, que encarnaram o Evangelho no mundo e na
própria vida.
Deus pai e mãe, fonte de toda santidade.
Dá-nos a graça de permanecermos sempre de pé diante do teu Filho, em meio a uma
nuvem de testemunhas, rodeados por gente de todas as nações, tribos, raças e
línguas. Fica conosco e caminha à nossa frente, para que estejamos sempre
prontos a amar e servir. E que a inexplicável alegria em meio às intermináveis
lutas seja nossa arma e nosso triunfo. E então estaremos vivendo em comunhão
com aqueles que te louvam no céu e na terra. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani
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