A vingança implacável e violenta hoje é quase
uma exceção e, por isso, quando ocorre, torna-se notícia. Mas isso não quer
dizer que as tensões tenham sido resolvidas e que os débitos tenham sido realmente
perdoados e eliminados da convivência social. Os débitos e ofensas tem hoje uma
conotação mais psicológica e social que moral, e às vezes se diluem numa
situação que se criou sem culpa. Assim, muitos pensam que os pobres, os negros,
as mulheres, os indígenas e outros, devem se contentar com um lugar subalterno
e marginal, e não são perdoados quando ousam questionar esta ordem
desordenada...

A resposta de Jesus é contundente: “Não até
sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes!” Sua intenção é clara: o perdão
aos irmãos e irmãs não deve ter limites, pois não é uma questão de números, mas
de espiritualidade e de ética. E, para ilustrar aquilo que afirma, Jesus conta
uma parábola, na qual contrapõe a pratica esperada de um cristão com a de um
empregado que, mesmo tendo uma grande dívida perdoada por seu patrão, se nega a
perdoar uma pequena dívida do seu companheiro. As ações do rei destoam do
ensino de Jesus Cristo, mas Jesus não se preocupa com nossos fajutos pudores
morais...

O núcleo do ensino de Jesus é a conexão
indissociável entre receber perdão e dar perdão. E isso é lustrado na relação
que a parábola estabelece entre o perdão de uma enorme dívida, que o empregado
recebe incondicionalmente do rei, e a sua falta de compaixão para com o
companheiro que lhe devia algo insignificante. Esse empregado se mostra surdo e
indiferente aos apelos do irmão, e o trata com violência (agarra, sufoca e joga
na prisão). Até seus companheiros ficam impressionados diante de tanta
violência. É isso que faz o rei voltar atrás e revelar que sua compaixão não
era sincera nem profunda.
É sobre isso é que Jesus chama a atenção: “É
assim que o meu pai que está nos céus fará convosco, se cada um não perdoar de
coração ao seu irmão!” Se a vontade de Deus, que é estender seu perdão a todas
as relações humanas, não for levada a sério, ele se verá forçado a agir como o
rei da parábola. Aqui Deus não é o ‘rei dos céus’ mas o ‘pai que está nos
céus’, e enquanto pai, nutre e testemunha um amor indiscriminado (cf. Mt
5,45-48), um amor que responsabiliza os discípulos. A misericórdia de Deus é um
dinamismo que deve sustentar um modo de vida também misericordioso nos
discípulos.
Quem não consegue perdoar, não alcançou a verdadeira
liberdade. Viver sob o ressentimento, cobrando eternamente as ofensas
cometidas, exigindo o pouco que os outros devem, é uma terrível escravidão que
impede nosso amadurecimento humano e espiritual. Paulo diz que que somos nós
que devemos amor ao próximo e não eles a nós (cf. Rm 13,8), e pede que sejamos
acolhedores e compreensivos com aqueles que se mostram mais fracos na fé. Ele nos
ensina que o núcleo da fé não é nossa honra ou nossos méritos, mas Jesus Cristo
e seu Reino. “Ninguém vive para si mesmo ou morre para si mesmo. Se estamos
vivos, é para o Senhor que vivemos, e se morremos, é para o Senhor que
morremos...”

Itacir Brassiani msf
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