O caminho da vida plena passa pela doação de
si mesmo!
A atitude contraditória de Pedro, mesmo depois
de ter professado sua fé em Jesus e ter sido elogiado por ele, nos previne
contra todo triunfalismo, inclusive o triunfalismo papal. Como Pedro, muitos de
nós desejamos desesperadamente impedir que Jesus realize sua missão pelo
caminho do serviço e da cruz, e acabamos sendo uma pedra de tropeço na sua
missão. No domingo em que iniciamos o mês
da Bíblia, descobrimo-nos todos aprendizes na escola de Jesus, colocando-nos
atrás dele, e chamados a não entrar na lógica excludente do mundo (cf. Rm
12,2).
A resposta de Pedro à pergunta de Jesus havia
sido formalmente correta, e até corajosa: “Tu és o Messias, o Filho do Deus
vivo”. Mas a salvação, que é a realização plena da pessoa humana e da história,
não depende unicamente da ortodoxia das declarações! Por isso, assim que Pedro
termina sua profissão de fé e recebe o elogio, Jesus aparentemente muda o tom
da conversa e começa a falar do seu futuro próximo: ele havia tomado a firme
decisão de ir a Jerusalém, apesar dos riscos que isso representava; lá sofreria
muito nas mãos das autoridades religiosas; acabaria sendo morto, mas depois
ressuscitaria. A ênfase de Jesus não está no anuncio da ressurreição mas da
paixão, de um Deus despojado!
Com este anúncio, Jesus quer corrigir os
resquícios de um certo messianismo triunfalista, do qual os próprios discípulos
estavam imbuídos, e mostrar outra imagem de Messias: ele é o Servo que sofre
solidariamente e o Profeta perseguido. É aqui que Pedro tropeça e faz tropeçar.
Com uma ousadia sem precedentes, “levou Jesus para um lado e o repreendeu. Deus
não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!” A tradução ameniza
um pouco as palavras duras de um Pedro atordoado que intima, adverte e ameaça
Jesus, como se Pedro e não Jesus conhecesse a vontade de Deus...
O que Pedro não consegue admitir é um Messias
sem poder e crucificado, um Messias pobre e rejeitado, humano e servidor. O que
ele não consegue aceitar é uma Igreja sem glórias e sem sucesso, chamada a
correr o risco da profecia; uma Igreja que ao invés de se aliar aos poderes
sofre nas mãos deles. Também aqui Pedro é porta-voz dos discípulos de todos os
tempos. Como é difícil pensar as coisas ao modo de Deus e como é fácil, cômodo
e atraente pensar as coisas ao modo dos homens! Coisas de Deus são a compaixão,
a solidariedade e o serviço; coisas dos homens são a indiferença, o sucesso e o
poder.
Há um discernimento que sempre desafiada os
discípulos e discípulas de Jesus. A cruz não é simplesmente uma imposição à
qual Jesus não pode escapar, mas a um caminho que todos devemos trilhar. “Se
alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga.” E tomar
a cruz significa, em primeiro lugar, assumir a condição das pessoas desprezadas
e colocadas à margem, assim como daquelas que resistem e enfrentam os poderes
que as marginalizam e oprimem; e em segundo lugar, a possibilidade e a
disposição de dar a vida, de sofrer a morte por amor.
A expressão “renuncie a si mesmo” não agrada a
muita gente. Seria possível entender esse mandamento de modo positivo e
emancipador, não como desprezo por tudo o que é original, pessoal e individual?
Não se trata de negar o que há de mais pessoal e original em cada indivíduo,
mas de libertar-se da ideologia de sucesso que nele se aninha. A questão é:
negar os interesses mesquinhos, os sonhos infantis de sucesso e onipotência, ou
negar o Messias, a compaixão? Pedro teve dificuldades de negar ou renunciar às
suas próprias ideias de onipotência e de sucesso e acabou negando Jesus e sua
proposta.
Isso não significa contrapor coisas materiais
e coisas espirituais, vida terrena e vida eterna, mas escolher o caminho do
amor a si mesmo a ponto de excluir do nosso horizonte os outros e Deus, ou o
caminho do amor aos outros e a Deus a ponto de esquecer as mais promissoras vantagens
pessoais. São dois amores, duas cidades, dois projetos de civilização, dois
caminhos opostos de realização humana. É nesse horizonte que Paulo pede que
evitemos a acomodação às estruturas deste mundo, que transformemos nossa
maneira de pensar e prestemos culto a Deus mediante o dom da nossa vida.
Deus, pai e mãe, vida que se perde por amor.
Salva-nos da ideologia religiosa, tão triunfalista quanto medrosa e
subserviente frente aos esquemas do mundo. Suscita comunidades de homens e
mulheres enraizados na tua santa Palavra, humanamente maduros, com corações,
mentes e mãos conformadas a Jesus de Nazaré. Ansiamos por um tal fogo aceso no
coração das pessoas e no coração do mundo. Desejamos seguir os passos do teu
filho no despojamento de si e no serviço alegre e solidário aos últimos. É esta
graça que vale mais que a vida. É isso que procuramos desde a aurora, e é isso
que nos basta. Assim seja! Amém!
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