O
personagem anônimo apresentado pelo evangelho de hoje é paradigmático. Aparentemente
não lhe falta fervor religioso: corre ao encontro de Jesus, ajoelha-se
respeitosamente diante dele, chama-o de bom mestre... Mas Jesus começa jogando
um pouco de água fria no fervor superficial e no orgulho oculto daquele homem.
“Só Deus é bom, e ninguém mais.” Depois, remete ao conhecido caminho dos
mandamentos: cita cinco sinais que proíbem passagens perigosas e uma que mostra
a direção obrigatória. O candidato a discípulo responde, muito seguro de si:
“Mestre, desde jovem tenho observado todas essas coisas.” Refratário às
estradas, ele sempre frequentara os genuflexórios...
Para este
homem piedoso e rico, a fé não é um caminho a ser percorrido, mas um porto
seguro e já alcançado, uma aquisição garantida pela moeda da piedade
superficial e das leis mesquinhas, centrada nos próprios méritos e indiferente
à sorte dos outros. Nem mesmo a referência que Jesus faz ao mandamento de não
roubar consegue inquietá-lo. É a típica pessoa de consciência absolutamente
tranquila, imperturbável. Seu único desejo é ser reconhecido e aplaudido como
bom e irreprensível. Mas Jesus entra como um terremoto no tranquilo status
deste postulante à santidade.
O amor de
Jesus por este homem que parece tão correto e piedoso não o impede de perceber
uma grande lacuna: “Falta só uma
coisa para você fazer: vá, venda tudo, dê o dinheiro aos pobres, e você terá um
tesouro no céu. Depois, venha e siga-me.”
Para Jesus, as práticas de piedade e o cumprimento dos mandamentos não atingem
sua meta enquanto não nos abrem à partilha e à solidariedade e não nos colocam
livres e nus no caminho da cruz. Em outras palavras, a questão que Jesus coloca
é a seguinte: qual é teu verdadeiro tesouro? Em que puseste tua confiança?
Diante
das palavras de Jesus, o homem fica abatido e vai embora cheio de tristeza,
porque é muito rico. Seu desejo de uma vida humanamente madura e profunda não é
tão forte quanto seu amor pelos bens que acumula. Essa atitude faz Jesus
murmurar desconsolado: “Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!”
E acrescenta, para escândalo dos discípulos: “É mais fácil passar um camelo
pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus!” E não
adianta querer superar este escândalo diminuindo o tamanho do camelo ou
aumentando as dimensões do buraco da agulha...
Apego às
riquezas e seguimento de Jesus Cristo não se conjugam. Quando colocamos nossa
segurança nas bens, parece-nos difícil empreender travessias. A casa das nossas
honras e conquistas nos parece mais segura, e acabamos pensando que os pobres
devem sair da miséria com suas próprias forças e meios,
cumpir suas obrigações e deixar de exigir direitos. Vender os bens e dar o
dinheiro aos pobres é apenas uma etapa, e prepara a opção decisiva: seguir
Jesus no enfrentamento das armas ideológicas da morte, na missão de em tudo e
sempre amar e servir. “Depois, venha e siga-me...”
Itacir Brassiani msf
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