Sejamos realistas! Busquemos a impossível
Justiça do reino!
Na liturgia, o Tempo Comum não tem nada de
comum, e isso não apenas por causa das festas juninas, ou, no ano em curso, por
conta da copa do mundo de futebol. Este é o tempo da encarnação do Evangelho no
cotidiano da vida pessoal, eclesial e social; de acolher o mistério do Reino de
Deus que vai lentamente adquirindo contornos e produzindo frutos; de cultivar
pacientemente a esperança que, como o artista do circo, caminha sobre a corda
bamba. Somos chamados a caminhar na esperança, e façamo-lo acolhendo e
espalhando muitas sementes, mesmo que às vezes nos pareçam frágeis e insignificantes.
Essa esperança é muito importante, pois hoje o
realismo cínico nos é apresentado como uma virtude, e se torna uma tentação,
inclusive para as pessoas que dizem acreditar num crucificado que ressuscitou. Querem
nos convencer que o mundo sempre foi assim, e que não seremos nós os
protagonistas de uma hipotética mudança. Um outro mundo não seria possível, e
ponto final! A sabedoria então seria cada um cuidar da sua própria vida, não
deixando escapar nenhuma oportunidade de derrotar os outros na competição pela
sobrevivência, procurando sempre tirar o máximo de vantagem em menor tempo? Não
é isso que está demonstrando parte daqueles que nos governam ou postulam uma
candidatura política?
No entanto, como cristãos, fazemos parte de
uma caravana que percorre os caminhos da história guiada por outras convicções:
as sementes crescem por si mesmas, e as que parecem pequenas e insignificantes,
como a de mostarda e de eucalipto, se tornam árvores frondosas. Sem esquecer
que é próprio da mostarda ser picante... Partindo da própria experiência e
escrevendo sobre a esperança da ressurreição, São Paulo diz que vivemos como se
estivéssemos fora de casa, como peregrinos que buscam outra morada, uma outra
cidade. Mas insiste que nesta permanente saída estamos cheios de confiança.
A fé cristã toma distância tanto do delírio
dos que ardem de paixão por um mundo fictício e ilusório depois da morte como
do conformismo medroso daqueles que aparam as arestas do Evangelho e o acomodam
a um mundo sem coração e sem justiça. Nossa confiança se inspira na sabedoria
dos semeadores que sabem que a semente não é a colheita, mas este saber não os
impede de lançá-las generosamente na terra. Eles o fazem conscientes de que é
falta de realismo contar apenas com as próprias forças, confiar apenas nas
nossas estratégias, esquecer a gratuidade e fechar-se às surpresas.
O que acontece é que o medo do futuro e o
controle do presente costumam asfixiar e matar as sementes. “A terra produz o
fruto por si mesma”, nos ensina Jesus, num dos contos populares que recolheu na
zona rural da Palestina e que a Igreja nos sugere hoje. “A semente vai brotando
e crescendo, mas o homem não sabe como isso acontece.” É possível que um
processo de mudança se mostre verdadeiramente profundo quando nos leva à
consciência dos próprios condicionamentos e limites, abrindo-nos a
contribuições outras, iluminando-nos e fecundando-nos pela experiência da
gratuidade.
Precisamos ser libertados da ilusão da
grandeza e colocar no centro da nossa fé a memória da coragem dos escravos
frente ao faraó, a memória da vida de Jesus de Nazaré, o mistério escondido na
semente de mostarda. O Reino de Deus não brilhará apenas quando chegar o
hipotético dia em que não haverá mais compradores de justiça, a liberdade não
será uma ilusão, a verdade será a fonte das notícias e poderemos crer nas
pessoas outra vez. O reino de Deus não é um particípio passado mas um gerúndio
e um futuro: ele “vai sendo” nas milhares de ações de compaixão e de afirmação
da dignidade do outro.
Alcançamos a desejada e difícil maturidade quando
conseguimos conjugar adequadamente paciência e urgência históricas. Os
processos humanos e sociais também têm e seu ritmo de maturação. Conhecê-los
sem controlá-los, e remover as forças que podem representar obstáculos ao seu
desenvolvimento, é a arte das artes. Mas
eu acho que hoje o risco que nos ronda hoje mais fortemente é deixar passar o
tempo propício da maturação e da colheita, fechar os olhos e os ouvidos a Deus,
que pede que sejamos, urgentemente, pessoas mais solidárias, Igrejas mais comunitárias
e sociedade mais igualitária.
Jesus de Nazaré, semeador da Palavra que liberta
e nos faz libertadores! Ajuda-nos a compreender que a fé é dinamismo que nos
abre à escuta de Deus, cria espaços de silêncio nos quais sua Palavra é
acolhida e semeada. Frente às dores e esperanças que habitam o mundo, dá-nos o
senso profundo da paciência e da urgência que tu mesmo exercitaste. Faz com que
essa escuta fundamente a convivência igualitária, nos faça sair das nossas próprias
certezas e nos comprometa numa dinâmica de comunhão e de solidariedade no
interior da qual nasce, cresce e frutifica o sonho do bem-comum da humanidade. Assim
seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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