O amor solidário é o pleno cumprimento da
justiça de Deus!
Os doutores da lei ensinavam que os
incontáveis pecados do povo ignorante suscitava a ira de Deus, que havia
fechado o céu e bloqueado sua comunicação com a humanidade. O povo foi se
acostumando com os anúncios ameaçadores e a violência simbolizada pelo grito
nas praças, pela quebra da cana rachada e pela extinção da frágil luz das
velas. A lei e os costumes judaicos diziam que só o templo e seus agentes autorizados
poderiam lavar culpas e perdoar pecados. Fora do templo e suas taxas não
poderia haver salvação!
João Batista ousa contrariar estas prescrições
e práticas: proclama que Deus não cobra nada para perdoar; anuncia que a água
abundante do rio Jordão lava as culpas que pesam sobre as costas dos mais
pobres; pede que se aproximem todos aqueles que desejam endireitar as estradas
da própria vida e da sociedade, os que desejam sinceramente reestabelecer a
justiça. Como os magos mostraram no natal, João recorda, muitos anos depois,
que os caminhos da graça de Deus não passam necessariamente por Jerusalém e
pelo templo.
Uma multidão de gente cansada e abatida,
vergada sob o peso de uma pesada canga de leis e condenações, acorre a João à
beira do rio Jordão. Gente humilde e humilhada, pobre e empobrecida, ignorante
e ignorada, anônima e rotulada como pecadora. Gente com fome de tudo: de pão,
de justiça, de graça, de acolhida, de cidadania. Muitos habitantes de
Jerusalém, da Judeia e da região do rio Jordão, cansados de penar e sedentos de
um Deus diferente, saem à procura do Profeta de hábitos simples e palavras
exigentes.
Já adulto e prestes a assumir sua missão
pública, Jesus deixa a Galileia e vai à procura de João Batista em meio a essa
gente: anônimo, na mesma fila, com os mesmos sentimentos. Como tantos outros
conterrâneos e contemporâneos, Jesus também deseja endireitar caminhos, nivelar
colinas, mudar as coisas. Ele quer deslocar o centro para a periferia e a
periferia para o centro. Jesus sabia que do templo não poderia vir nada de novo
e nada de bom. Seu batismo é participação solidaria nas tentativas, buscas e
sonhos do seu povo.
João pressente nessa atitude de Jesus algo
novo e em desacordo com as práticas tradicionais. Percebe que está em curso uma
inversão revolucionária. “É eu que preciso ser batizado por ti, e tu vens a
mim?” Mas percebe também que a justiça não pode ser realizada parcialmente. A
encarnação de Deus deve atingir a humanidade em sua dimensão mais profunda, e
Jesus entra na fila dos pecadores e se identifica com eles. Com seu batismo,
Jesus Cristo manifesta ao mundo a compaixão de Deus, assumindo o lugar dos últimos.
Durante o batismo, em meio ao povo machucado e
sedento, Jesus faz uma experiência espiritual que deixará marcas profundas e
dará a direção à toda sua vida e missão: percebe o Espírito de Deus descendo e
repousando sobre ele, constituindo-o como filho, servo e libertador. Doravante,
não reconhecerá mais a distinção entre judeus e pagãos, entre “homens de bem” e
os que não interessem a ninguém e são por todos desprezados. Alguns anos mais
tarde, Pedro resumirá esta percepção: “Deus não faz distinção entre as pessoas.
Ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que
pertença.”
Deus querido, Pai e Mãe dos homens e mulheres
que aceitam o desafio de renascer da água e do Espírito, do sonho e da Palavra:
te agradecemos porque nos acolhes como filhas e filhos amados neste povo que
amas. Conserva-nos no caminho do teu Filho, e faz de todos os batizados um
fator de aliança entre os fracos, instrumento de justiça para quem é
desprezado. E não nos deixes cair na tentação de uma justiça parcial ou
superficial, disposta a aceitar subornos para fazer-se cega. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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