A travessia que Jesus e seus discípulos estão
realizando não é apenas geográfica. É uma caminhada consciente, e tem um rumo
preciso: Jesus se dirige a Jerusalém, onde enfrentará os poderes religiosos e
políticos e revelará a compaixão de Deus pelos excluídos. E faz essa passagem
com um objetivo muito claro: desloca-se da periferia social ao centro político,
transforma os últimos em primeiros, aprecia quem é desprezado, revela a
presença de Deus na contramão da história e da religião. E, de tabela,
potencializa a força emancipadora mais ou menos adormecida em cada ser humano.
Na Samaria, um grupo de leprosos deixa o
fechado círculo de um pequeno povoado e se aproxima de Jesus. Parece que a
ideologia estreita e fechada da cidade fazia mal a eles, pois costuma
considerar culpáveis e proscritos os pobres, os doentes, os rebeldes, os
diferentes. Mas, em vez de cumprir as prescrições e anunciar claramente a
própria impureza, permanecendo assim longe das pessoas consideradas puras, estes
leprosos reconhecem Jesus como mestre e gritam: “Tem compaixão de nós!” Há algo
muito especial que faz com que este grupo de marginalizados saia da cidade em
busca de uma mudança...
Este pedido brota da dor por serem excluídos.
Por trás da súplica, está a situação dramática que vivem todos aqueles que são
infectados pela lepra e pela ideologia estreita e escravizadora do judaísmo
daquele tempo. Mas o grito quase desesperado, implorando compaixão, também é
revelador de uma embrionária consciência de que Deus não vira o rosto nem fecha
o coração diante do drama que vivem os doentes, discriminados e excluídos.
Mesmo sem conseguir reconhecer claramente a identidade de Jesus, eles apelam a
algo que é essencial em Deus: sua compaixão em favor dos marginalizados.
A resposta de Jesus ao pedido desesperado dos
leprosos é, inicialmente, o cumprimento de uma norma legal: “Ide apresentar-vos
aos sacerdotes”. Como poderiam eles ir ao templo, se era exatamente a lei por
ele regulada que os mantinha distantes e separados? Eles ainda não estavam
curados, e entrar no templo seria um sacrilégio imperdoável! Entretanto, é no
caminho, e não no templo, que eles são curados. É da ruptura com a cosmovisão
estreita e dominadora do templo, da adesão crescente a Jesus e à sua Palavra
que vem a força que restaura a dignidade e liberta das exclusões.
Entre os dez leprosos havia um samaritano. Os
demais provavelmente eram galileus. Percebendo-se curados, os nove galileus
continuam firmes a marcha em direção ao templo, e são por ele novamente
assimilados. Apenas o samaritano volta para agradecer a Jesus e glorificar a
Deus, evitando assim as malhas e amarras do templo. É possível que os nove
leprosos que continuam indo ao templo representem os discípulos que resistem à
novidade exigente e libertadora de Jesus, os cristãos que continuam acreditando
nos privilégios das minorias e na supremacia das leis e instituições.
Por sua vez, o leproso samaritano representa
todos os excluídos e marginalizados que acolhem o Evangelho e se tornam
discípulos de Jesus. “Tua fé te salvou.” A reconquista da plena cidadania e do
respeito é fruto maduro e saboroso de uma fé dinâmica e consequente, que
provoca rupturas e sustenta buscas. A declaração solene de Jesus ao samaritano
purificado é semelhante a outras que fez à mulher vista como pecadora que
beijara seus pés (cf. Lc 7,50), à mulher que sofria de hemorragia e era tratada
como impura (cf. Lc 8,48), ao cego e mendigo de Jericó (cf. Lc 18,42).
Em todas estas cenas vemos o mesmo drama
humano e a mesma delicadeza de um Deus que nada reivindica para si mesmo: “Tua
fé te salvou!” A experiência de ser acolhido por Jesus Cristo leva à decisão de
segui-lo e culmina na aceitação de uma missão. O samaritano curado não é
remetido ao templo e suas leis incapazes de libertar, mas recebe uma nova
missão. Não é dito o que ele deve fazer, nem onde deve ir. Jesus simplesmente
diz “Levanta-te e vai...” Pois a missão é isso: descobrir-se radicalmente
enviado por Outro a outros; sentir-se convocado a descobrir sempre de novo onde
e a quem servir.
Jesus de Nazaré, missionário do Pai: nós te
louvamos pela nuvem de testemunhas que nos antecederam ou que hoje caminham ao
nosso lado. Com Paulo aprendemos que, se já morremos contigo, contigo também
viveremos e faremos viver. Ensina-nos a levantar e partir em missão, movidos
pela compaixão que vem de ti, mas cujo dinamismo não se esgota em nós. E
ajuda-nos a romper com tudo o que escraviza e diminui a vida, tomando crítica
distância das instituições e estruturas que ameaçam e intimidam. Assim seja!
Amém!
Itacir Brassiani
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