Mudar mentalidades, derrubar muros, abrir
estradas!
Os caminhos da justiça e da paz ainda são
tortuosos e esburacados, especialmente para os países e as pessoas pobres. O
obstáculo não está apenas no terrorismo, mas também no cassino da Wall Street, onde se compra, vende e especula a vida e a
morte dos povos, e na Praça dos Três Poderes, onde o poder não emana do povo
mas é exercido à revelia do povo e contra o povo. O evangelista Marcos diz que
o povo que vivia no ‘centro do mundo’ (Jerusalém) se deslocou à periferia
(deserto) para escutar o profeta João. E este é o rumo que precisamos seguir se
quisermos que a humanidade tenha futuro. As soluções impostas de cima e dos
centros costumam ignorar ou aumentar o nada dos já sem-nada.
A Palavra de Deus teima em afirmar que é do
deserto e da periferia que vêm as notícias alegres (Boas Novas), aquelas que
anunciam que o Humano está nascendo e que um Outro Mundo está sendo gerado. Mas
isso pede inversão de perspectivas e conversão de mentalidades. A novidade que
vem do deserto é peregrina e vulnerável, não se realiza nas ações potentes, nem
chama a atenção. O agente de Deus (Messias) nasce migrante e se hospeda na
estrebaria... Seus pés não conhecem o ruído de botas de soldados, mas somente a
ágil simplicidade das sandálias. O amor só tem a força do dom e do martírio.
João Batista tem consciência de que ele é
apenas o precursor, de que o chamado à conversão será seguido pelo anúncio de
uma boa notícia, e que o retiro no deserto será substituído pela estrada que
leva aos povoados. “Depois de mim vai chegar alguém mais forte que eu. Eu não
sou digno sequer de me abaixar para desamarrar as suas sandálias...” Sandálias
lembram caminho, e caminho sugere discipulado. A estrada a ser aberta no
deserto é a estrada do seguimento de Jesus na pobreza, no dom de si e na solidariedade.
É a estrada que leva a Belém e a Nazaré, e desemboca no calvário.
Que ninguém queira substituir as sandálias do
carpinteiro pelas botas dos soldados arrogantes ou do gordo papai-noel!
Seguimento de Jesus não rima com guerra nem com shopping.
Conservar as
sandálias e abrir caminhos é preciso! Mas, até quando conseguiremos manter viva
essa convicção e essa esperança? A realidade parece desmentir o que
acreditamos, e a história parece não considerar nossas utopias. Que São Pedro
nos encoraje! “Para o Senhor um dia é como mil anos e mil anos é como um dia”.
Deus é paciente, mas nossa espera precisa ser conjugada com o incansável
empenho.
O discípulo não encontra segurança senão na
voz do Mestre, e o missionário só pode contar com o poder da Palavra. É com
isso que queremos realmente trabalhar? É essa a estrada que nos dispomos a
abrir e trilhar? Recorrendo à linguagem apocalíptica, Pedro chama a atenção
para a provisoriedade do tempo e para a precariedade das instituições: tudo o
que parece sólido e definitivo se transformará em ruínas e cinzas. Em meio a
isso, os cristãos se mantêm firmes na esperança de novos céus e nova terra
nova, nos quais habite a Justiça. Mas precisam antecipar esta esperança em suas
ações cotidianas...
Ou seja, precisamos mantermo-nos firmes e
ativos na esperança. Jesus, Maria e José também viveram pacientemente a aparente
demora da manifestação de Deus. A espera se converteu em preparação e
discernimento para acolher a ‘Hora’ de Deus. Enquanto esperavam, lançaram
raízes na periferia, mergulharam fundo na Palavra de Deus, exercitaram
generosamente o cuidado com os cordeiros fracos e com as ovelhas gestantes. E
fabricaram sandálias, muitas sandálias: para pés masculinos, femininos,
infantis e jovens, adultos e idosos, brancos e negros, católicos ou não...
Deus pai e mãe, pastor terno e dedicado! Fecunda
nossos ouvidos com tua Palavra criadora e abre nossos lábios para que
proclamemos, sem medo, que estás vindo à casa nossa e tua, e que trazes nos
braços teus filhos e filhas mais queridos. Converte nosso coração e abre nossos
olhos, para que sejamos capazes de contemplar a delicada coreografia cósmica
que acompanha tua chegada aos desertos e periferias: a verdade brotando da
terra e a justiça se inclinando do céu; a misericórdia e a fidelidade dançando
e a justiça e a paz se abraçando. E põe em nossos pés as sandálias dos
peregrinos! Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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