Precisamos avançar para águas mais profundas e
pescar diferente!
Nos primeiros domingos do tempo comum somos
brindados com belíssimos encontros com a Palavra de Deus. Depois do episódio da
sinagoga de Nazaré, quando Jesus foi expulso da cidade depois de apresentar-se
como o profeta que prioriza a vida dos marginalizados, temos hoje o belo relato
da pesca que termina em vocação. Jesus já havia estado em Cafarnaum e curado um
homem possuído por um espírito impuro, a sogra de Pedro curvada sob a febre, e
muita gente que estava doente (cf. Lc 4,31-41). Jesus então se retira para
rezar (cf. Lc 4,42-44) e, posteriormente, chama, reúne e inicia a formação dos
primeiros colaboradores.
Simão, Tiago e João voltam de uma noite de
trabalho. Os barcos estão vazios de peixe e cheios de frustração e cansaço.
Jesus vê os barcos parados à margem do lago e, mesmo percebendo que os
pescadores não estão interessados na sua palavra, pede licença e sobe num dos
barcos. É de dentro da própria vida, da lida cotidiana frequentemente dura e às
vezes vazia, que Jesus se aproxima do povo e assegura que as promessas de Deus
estão se cumprindo, que com ele uma boa notícia finalmente é anunciada aos
pobres e oprimidos. Jesus entra na nossa vida e, desde o interior dela, nos
ama, nos acolhe e nos chama.
Os pescadores e candidatos a discípulos não
parecem muito interessados com o que está acontecendo naquele momento às
margens do lago de Genesaré. O cansaço e a sensação de frustração os invade por
inteiro. Não vislumbram um horizonte que não seja voltar ao mesmo e rotineiro
trabalho na noite seguinte. Para eles, a vida dos trabalhadores não pode fazer
concessão a sonhos e utopias. Seu destino está desde sempre escrito a ferro e
fogo nas instituições. Poderiam repetir o ditado: ‘A vida é um combate que aos
fracos abate’. Inicialmente, o jovem pregador não suscita neles nenhuma
expectativa.
Não é muito diferente a vida de muitos
cristãos de hoje. Infelizmente, são muitos os que se contentam com as rotinas
de uma cultura religiosa recebida como herança e conservada por inércia. Outros
vivem a fé como um fardo pesado e cansativo, ou como um hábito que envergonha.
Permanecem cristãos por conveniência ou por medo de mudar, mas exalam vazio e a
frustração por todos os poros. E o que dizer dos bispos, padres, religiosos e
catequistas que reclamam do afastamento dos fiéis mas se conformam às ‘antigas
lições’ com cheiro de caserna e aderem a posturas violentas, armadas e
discriminadoras?
Sem desconhecer a frustração dos pescadores e
o vazio do barco, Jesus pede que Pedro avance para águas mais profundas e
recomece a pesca. A superficialidade sempre nos parece tentadoramente segura, mesmo
que saibamos que é também é menos fecunda. Lugares profundos costumam ser
arriscados e exigem prudência e habilidade. Mas a excessiva prudência impede o
avanço e a superficialidade conduz à esterilidade. A abertura e a obediência à
Palavra de Jesus abre portas à fecundidade. Como Pedro, precisamos superar a
ideia de que somos pescadores experientes e tornarmo-nos discípulos e
aprendizes.
Em atenção à Palavra de Jesus, Pedro lança as
redes novamente, e o resultado é surpreendente. Ele então reconhece sua
indignidade, mas Jesus não dá ouvidos às suas palavras. “Não tenhas medo! De
agora em diante serás pescador de homens!” E aqui ‘pescar’ significa
literalmente: vivificar, reunir para conservar a vida. E este chamado que Jesus
dirige Pedro, e implica aprender uma nova missão, não é isolado: Tiago e João,
companheiros e sócios no ofício da pesca, são agora também companheiros e
participantes desta nova identidade e missão. “Eles levaram os barcos para a
margem, deixaram tudo e seguiram Jesus.”
Há uma constante no verdadeiro encontro com
Deus: somos colocados cara a cara com a nossa realidade mais profunda e
autêntica: a vulnerabilidade e a finitude, que, quando negadas ou esquecidas, nos
induz ao erro desde o primeiro passo, e a humanidade acaba pagando um alto
preço. Mas, ao mesmo tempo, no encontro com Deus descobrimo-nos preciosos aos
olhos de Deus. Ele dá impérios pela nossa liberdade (cf. Is 43,3-4), tatua
nosso nome na palma da sua mão (cf. Is 49,16) e, tocando nossos lábios, perdoa
nosso pecado, confirma nossa dignidade e nos engaja, lado a lado, ombro a
ombro, na sua própria missão...
Jesus de Nazaré, peregrino nos santuários das
dores e buscas humanas! Entra nesta barca que é a tua Igreja e transforma seus
tímidos viajantes em ardorosas testemunhas. Abre nossos ouvidos à tua Palavra,
preenche nossos vazios com tua presença, cura nossas frustrações e desamarra as
mãos que o medo e a acomodação imobilizaram. Engaja-nos na tua missão de reunir
teus irmãos e irmãs, de promover e conservar a vida e de anunciar teu Evangelho.
E isso sem esquecer que somos sempre discípulos e servidores. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário