Se calarem a voz dos profetas, a lama e os
cadáveres falarão!
A profecia é essencial na vida cristã. A
Igreja é uma comunidade profética, sacerdotal e de serviço à vida. Mas ninguém
é instituído profeta, nem aprende este ofício num seminário ou numa escola de teologia.
A profecia é dom do Espírito, dom que recebemos com temor e tremor. Ela nasce e
se desenvolve no ventre de uma comunidade que se coloca à escuta da Palavra de
Deus, pungente no clamor de todas as vítimas. Quem não se fecha à voz de um
Deus que fala e interpela, sente a Palavra queimar suas entranhas e não
consegue viver indiferente à causa de Deus, que é a causa dos pobres, das
vítimas, dos excluídos.
Uma comunidade que ouve e medita a Palavra
acaba também avançando e amadurecendo no serviço à Boa Notícia de Deus. Vemos
isto na experiência de Jeremias. Ele tem a sensação de que a Palavra que o
chama é anterior ao seu próprio nascimento. “Antes de formar-te no seio de tua
mãe, eu já contava contigo. Antes de saíres do ventre, eu te consagrei e fiz de
ti profeta para as nações.” É isto que percebemos também no próprio itinerário
de Jesus: depois de ler e acolher a palavra do profeta Isaías na sinagoga de
Nazaré, ele conecta irreversivelmente a sua vida com a causa dos oprimidos. E
propõe este caminho aos seus discípulos.
Um olhar atento aos evangelhos nos leva a
perceber como, por causa de seu radicalismo profético, Jesus foi experimentando
uma progressiva marginalização. Houve um momento em que sua fama se espalhava
por toda a região e todos o elogiavam (Lc 4,14-15). Enquanto lia as escrituras,
todos tinham os olhos fixos nele e testemunhavam a seu favor, maravilhados com
as palavras cheias de graça que saíam da sua boca (Lc 4,22). Mas o entusiasmo
logo se transformou em fúria e desejo de eliminá-lo (Lc 4,28-30), quando ousou
questionar a ideologia do privilégio dos judeus em relação aos pagãos. E nisso Elias e Eliseu lhe serviram de
paradigma.
Mas a profecia tem seu preço, e tanto a pessoa
como a instituição que a assumem devem estar dispostas a pagá-lo. Jesus recorre
a um provérbio que diz que nenhum profeta bem recebido em sua própria terra,
pois a expectativa sempre é que ele atue em benefício dos seus pares. Mas este
é apenas um lado da medalha. O outro lado é o seguinte: nenhum profeta que
sente a compaixão de Deus queimar suas entranhas consegue permanecer preso aos
estreitos muros da raça, da nação, da religião ou de qualquer instituição. O
profeta é um incansável transgressor de fronteiras, um incurável abridor de
brechas nos muros da hipocrisia.
É na fragilidade que somos fortes, diz Paulo.
Escrevendo aos cristãos de Corinto, ele chama a atenção para a centralidade do
amor e a relatividade de todas as funções e instituições. Se a profecia
deslizar para o discurso enraivecido, incoerente e acusatório, será pouco mais
que nada. O que dá consistência e verdade à profecia é o amor, este dinamismo
que reconhece a dignidade do outro como outro e o serve em suas necessidades. A
profecia que brota do amor, orienta-se pelo amor e conduz a um amor que não
reconhece fronteiras nem méritos. E o amor está acima de todo conhecimento e
até acima da fé. E, mais ainda, das instituições!
Itacir Brassiani msf
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