Quem crê, vê mais longe, vê com o olhar de
Deus.
João sublinha que era noite e que as portas
estavam muito bem fechadas. Os discípulos estavam desanimados, amedrontados e
sem perspectivas. É o mesmo escuro pavoroso que eles haviam experimentado
quando atravessaram sozinhos o mar agitado, depois que Jesus saciara a fome de
uma multidão e recusara o poder político (cf. Jo 6,16-21). Esse escuro tenebroso
lembra também a escuridão que se fez às três horas da tarde, quando Jesus fora
crucificado. Ao medo da possível perseguição pelas autoridades judaicas se
juntava a frustração pela imagem de um Messias crucificado...
Dói na consciência dos discípulos a traição, a
negação e a deserção no caminho da cruz. Por isso eles não formam exatamente uma
comunidade, mas um grupo rachado, frustrado, envergonhado. Porém, o remorso e
medo não são muros que impedem a manifestação de Jesus. Jesus se faz presente
inesperadamente no meio daquele grupo desarticulado, e sua primeira palavra não
é de advertência ou acusação, mas de acolhida e pacificação: “A paz esteja com
vocês!” E lhes mostra as feridas nas mãos e no lado esquerdo, assegurando que
sua história concreta é importante, que sua presença não é mera fantasia e que
seu amor fiel e solidário continua.
A alegria, tão característica da Páscoa, não
brota apenas da certeza de que ressuscitaremos um dia, mas também da
experiência atual e cotidiana de não sermos condenados, de sermos aceitos como
amigos e amigas de Jesus de Nazaré, apesar dos nossos insuperáveis limites,
traições e deserções. Mas a alegria e a paz radiante da Páscoa podem esconder
um risco: podemos ficar de tal modo extasiados com as imagens de anjos e com as
palavras de paz, pela visão de um Cristo exaltado e sentado à direita do Pai, que
podemos esquecer que nossa missão de discípulos está apenas começando.
Por isso, depois de afirmar que vem trazer a
paz, Jesus confere claramente uma missão aos discípulos: “Assim como o Pai me
enviou, eu também envio vocês”. Trata-se de continuar seu próprio trabalho de
carregar nas costas a dor e o peso provocados pelo pecado do mundo. É como se
ele nos confiasse a tarefa de lixeiros, de passar pelas estradas e campos
recolhendo as imundícies produzidas pela cultura egoísta e violenta. É a missão
de sermos os cordeiros de Deus que tiram o pecado do mundo. E esta missão urge,
não pode ser postergada para um hipotético amanhã, para quando tivermos tempo.
Esta missão também não pode ser terceirizada
ou deixada à responsabilidade dos outros. Jesus Cristo diz claramente que o
pecado que não eliminarmos permanecerá aqui, diminuindo e ferindo a vida de
muita gente e garantindo o privilégio de poucos. Pois o pecado é a cumplicidade
com a injustiça que fere as criaturas, e perdoar significa dissolver os laços
que vinculam as pessoas a essa cumplicidade, torná-las livres frente à
necessidade de cada um cuidar de si e deixar a Deus o cuidado dos mais fracos. Jesus
pede que as comunidades cristãs sejam espaços de amor mútuo e de luta pela
justiça.
Aqui viemos, Jesus de Nazaré, Cordeiro de
Deus, para encontrar as pessoas que acreditam em ti, para tocar tuas chagas e
acolher de novo teu mandato missionário. Dá-nos tua paz, e envia sobre nós teu
Espírito, a fim de que não nos cansemos de carregar o pecado do mundo e
experimentemos a felicidade de crer para ver, de acreditar apoiados no
testemunho de vida dos outros, de fazer da nossa vida um serviço os irmãos e
irmãs. Vem em nosso auxílio para não darmos as costas à comunidade dos homens e
mulheres de boa vontade, pois sem ela não conseguimos te reconhecer. Amém!
Assim seja!
Itacir
Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário