Pe. Itacir é o atual Vigário Geral de sua congregação. A ele o nosso muito obrigado pela partilha. Rezamos ao Espírito Santo, a fim de que continue iluminando seus passos.
Deus o abençõe Pe. Itacir!
A oração alarga o horizonte e consolida a caminhada.
(Gn 18,20-32; Sl 137/138; Cl 2,12-14; Lc 11,1-13)
A oração faz parte da vida de Jesus Cristo e da vida dos cristãos. Há quem reza muito e quem reza pouco; quem prefere rezar sozinho e quem prioriza a oração comunitária; quem reza para sustentar a luta e quem reza em vez de lutar; quem se dedica ao louvor e quem se concentra nas lamentações; há também grupos que se encarregam de rezar por procuração e pessoas que atribuem a outros a tarefa de rezar em seu lugar. E não faltam santos e santas que advertem sobre a insuficiência da nossa oração. Até Maria, em diversas aparições, parece obsessionada com isso. Mas o mais importante não é a quantidade de tempo dedicado e nem as fórmulas usadas psrs rezar, mas a atitude profunda e global diante de Deus e da urgência de realizar seu Reino no mundo.
“Jesus estava orando num certo lugar...”
A catequese de Jesus sobre a oração se insere no contexto da sua caminhada a Jerusalém, onde se daria o confronto decisivo entre seu projeto de vida e os poderes coercitivos da oficialidade. Depois de nos contar o ensino de Jesus sobre a necessidade de fazer-se próximo de quem está em situação de vulnerabilidade e de narrar a lição ensinada na casa de Marta e de Maria, Lucas começa dizendo muito genericamente que “um dia, Jesus estava orando num certo lugar”.
A oração de Jesus está claramente a serviço da fidelidade à decisão de construir o Reino de Deus mediante o serviço profético em favor dos últimos e o enfrentamento das forças que se lhe opõem. Nos momentos de oração Jesus vislumbra e recoloca diante de si o horizonte maior do Reino de Deus e confirma seus passos nesta direção. Jesus não parece preocupado em pedir que os discípulos rezem, mas ele mesmo se retira em oração para confirmar sua identidade e renovar sua responsabilidade.
Observando Jesus em oração, são os discípulos que pedem que lhes ensine a rezar. Eles conheciam os ritos e fórmulas de oração ensinados por João Batista e por outros líderes, como os que pertenciam ao grupo dos essênios. Parece que os discípulos desejam que Jesus lhes ensine ritos e práticas definidas e rígidas de oração, como aquelas que haviam aprendido no judaísmo. Anelam por práticas espirituais que dispensem das exigências da conversão ao Reino, do despojamento e do dom de si.
“Pedi e vos será dado...”
A oração praticada e ensinada por Jesus Cristo supõe a consciência de que somos seres carentes, necessitados e limitados diante da grandeza da missão. Em outras palavras, a base humana da oração é a abertura ao futuro, aos outros e a Deus. Quem dispõe de todos os poderes não precisa pedir nada nem agradecer a ninguém. E quem está absolutamente satisfeito com o presente, não espera nada para a futuro, a não ser um prolongamento do presente.
Mas longe de induzir à passividade e desenvolver uma visão mágica da vida, a oração cristã ajuda a fecundar e potencializar os recursos de que dispomos para construir a vida e transformar a história. O pedido de quem reza supõe, expressa e cultiva a consciência de algo importante que falta às história, à Igreja ou às pessoas singulares. No pedido orante está imbutido o senso de urgência e de responsabilidade pessoal e comunitária diante dos dramas e necessidades do mundo.
“Pai, santificado seja o teu nome.”
Para Jesus, Deus é Alguém bom, presente e próximo, e a oração se sustenta numa relação de absoluta confiança, amizade e intimidade com ele, como aquela do/a filho/a que confia no pai e na mãe e os sente próximos. É uma confiança que permite até a insistência e a pechincha em favor dos/as amigos/as, como demonstram o pedido de Abraão em favor do povo de Sodoma e a parábola do vizinho que bate à porta do amigo para pedir-lhe ajuda. “Vais realmente exterminar o justo com o ímpio?”
Segundo a prática e o ensino de Jesus, a oração parte da contemplação da ação libertadora de Deus que está em curso na história. É isso que significa dizer “santificado seja o teu Nome”. Na tradição bíblica, Deus é santificado quando liberta os oprimidos, perdoa os pecadores, sacia os famintos, devolve a terra aos exilados, garante um abrigo aos deserdados. Ou, como cantamos hoje: “Teu Nome é santificado naqueles que morrem defendendo a vida. Teu nome é glorificado quando a justiça é nossa medida.”
Mas o rio da santidade de Deus que fertiliza a terra e possibilita uma vida abundante aos seus filhos e filhas tem um leito ainda muito estreito que precisa ser alargado. E aqui a oração entra como uma pedagogia que suscita e ressuscita em nós o ardente anseio do Reino de Deus. “Venha o teu Reino!” Esta súplica profunda e envolvente ajuda a evitar duas atitudes pouco cristãs: a conformidade resignada com o mundo do jeito que ele está; a preocupação escapista com uma indefinida vida depois da morte.
“Dá-nos a cada dia o pão cotidiano...”
A oração cristã é uma ação comunitária e está voltada ao presente histórico. E isso está patente na segunda parte da oração que Jesus nos ensinou: os pedidos estão na segunda pessoa do plural, são a voz de uma comunidade. Mesmo quando oração é feita individualmente, supõe uma comunhão real, profunda e visceral não apenas com os cristãos da comunidade ou da mesma Igreja, mas com a humanidade e a criação inteira.
É em nome da humanidade à qual nos sentimos intrinsecamente unidos que pedimos: “Dá-nos, a cada dia, o pão cotidiano, e perdoa-nos os nossos pecados...” O primeiro pedido adquire tons dramáticos e proféticos num contexto histórico no qual mais de um bilhão de pessoas – quase 20% da população mundial – não dispõem da alimentação necessária em termos de quantidade e qualidade. E não se trata de postular o pão para um futuro distante, mas para cada dia, para hoje.
Um segundo pedido ensinado por Jesus na sua síntese da postura de uma pessoa orante é o perdão dos pecados. Não obstante os moralismos que se sucedem e pesam sobre a cabeça e a alma de tanta gente discriminada, com o conceito ‘pecado’ é designada a situação humana de quem não alcançou a plena realização, de quem ficou aquém ou perdeu o rumo. Paulo diz que Deus anulou o documento das nossas dívidas, pregando-o na cruz. Mas a oração ajuda a assimilar existencialmente o perdão já concedido.
“E não nos deixe cair em tentação.”
A oração ensinada por Jesus Cristo previne contra as muitas tentações que nos rondam. No caso dos Doze, temos ainda presente as principais tentações: uma ideologia religiosa violenta e nacionalista; uma evangelização integrista, pronta a proibi-la a quem não partence ao própio grupo e a punir os que a ela se opõem (cf. Lc 9,49-56); uma religião que se refugia em Deus e relativiza o amor concreto (cf. Lc 10,25-37); uma preocupação exagerada com regras e ritos e pouco atenta ao discipulado (cf. Lc 10,38-42).
São reais as tentações que hoje rondam a vida das comunidades cristãs, e uma delas é tratar as diversas Igrejas ou confissões cristãs como inferiores, heréticas ou inimigas, como se não tivessem a mesma origem, a mesma base e o mesmo objetivo. Somos responsáveis diante de Deus pelo obstáculo que nossas divisões provocam aos homens e mulheres de boa vontade que buscam a Deus de coração sincero mas tropeçam no nosso contra-testemunho.
Uma segunda tentação na qual caímos com muita frequência, inclusive quando rezamos, é o desprezo ou a fuga da história de dor e esperança do tempo que nos toca viver. Caímos na tentação de multiplicar regras e cânones litúrgicos, hierarquizar protagonistas e agentes, priorizar as necessidades espirituais e individuais, focalizar tudo na vida depois da morte. Quando o Reino de Deus não nos interessa mais, como podemos santificar seu Nome? Ou nossa oração tem raízes na história, ou não é cristã.
“O pai do céu dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem.”
É preciso pedir o que realmente necessitamos para continuar no caminho de Jesus Cristo, e não aquilo que nos agrada ou facilita as coisas. É verdade que tanto a cena da qual Abraão é protagonista como a parábola proposta por Jesus sublinham a importância de pedir com confiança e até insistir nos pedidos. “Pedi e vos será dado; procurai e encontrareis; batei e a porta vos será aberta.” A bondade de Deus é claramente maior daquela do amigo que levanta no meio da noite para atender o vizinho.
Mas qual é o pedido que Deus não deixa sem resposta? Certamente não é o alimento (peixe e ovo), nem simplesmente a saúde, o sucesso ou uma boa morte. O que os/as discípulos/as de Jesus necessitamos realmente e ele nos dá é seu Espírito, sem o qual não há discipulado, profecia, ação transformadora, solidariedade, liberdade e vida verdadeiras. “O Pai do céu dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem.”
Pe. Itacir Brassiani msf
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