Qual é a palavra que alimenta nossa fome de
vida e dignidade?
O Evangelho de Jesus é, desde sempre e
literalmente, boa notícia. Por isso, onde é anunciado e ouvido, produz alegria,
como bem insiste o papa Francisco. Mas também provoca crise, e não apenas hoje.
Não é possível crer em Jesus e seguir seu caminho sem romper com uma cultura
centrada na competição, na esperteza, na indiferença e na dominação. Se não
acontecer esta ruptura, a fé professada com os lábios acaba sendo negada pelas
atitudes e valores, como vemos em alguns candidatos à presidência do Brasil.
Jesus esclarece: “As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós
há alguns que não creem...”
O evangelho proposto para este domingo é parte
do sexto capítulo de João. Tudo começou com a partilha dos pães e dos peixes
entregues a Jesus por um jovem e partilhados com uma multidão. Entusiasmada com
a abundância de alimento, a multidão quis transformar Jesus em rei, mas ele
fugiu de fininho. Diante desta recusa de Jesus, os discípulos ficaram
desorientados e pensaram em fugir. Mas Jesus foi ao encontro deles, no meio do
mar agitado. E, depois disso, Jesus desenvolve uma longa catequese sobre o pão
verdadeiro, o pão que nos alimenta verdadeiramente e merece ser buscado.
Esta longa reflexão sobre o pão que dá vida
não tem nada de inocente, espiritualista ou inofensivo, e os discípulos o entenderam
perfeitamente. Por isso, no fim da reflexão, disseram a Jesus que seu modo de
falar era duro demais e que era difícil continuar ouvindo seu ensino. A razão
da crise dos discípulos é seguir alguém que não aceita ser rei; que pede para
renunciar à ambição individual de estar à sua direita ou à sua esquerda; que
propõe a entrega de si mesmo como caminho de realização; que insiste que
vulnerabilidade é força; que indica a atitude de servo como a mais nobre e
digna do ser humano...
Sedentos de triunfo e de sucesso, muitos
discípulos, frustrados e rebelados, abandonam o seguimento de Jesus. Sem se
importar com isso, Jesus provoca ainda mais os discípulos já escandalizados,
enfatizando que é próprio do ser humano descer, que quem é rebaixado é visto por
Deus como o mais nobre e perfeito. A partir disso, muitos discípulos voltam
atrás, e não andam mais com Jesus. Eles buscam um Enviado diferente, um Messias
feito à medida dos interesses individuais e da própria classe. Sem receio de
ficar só, Jesus enfrenta também os que permanecem: “Vocês também querem ir
embora?”
A resposta a esta pergunta, que também é
dirigida a nós, não pode ser da boca pra fora, da cabeça para cima; deve ser
consciente, engajada e consequente. Pedro, em nome de um bom grupo de discípulos
e de forma um pouco resignada, responde com uma pergunta: “A quem iremos,
Senhor?” A resposta não vem da boca de Jesus, mas deve vir de um discernimento que
nós mesmos devemos fazer. De minha parte, como Pedro, fico com Jesus Cristo e
sua humanidade, com o Evangelho e sua liberdade, com o serviço aos irmãos e à
sua dignidade. Não me reconheceria nem conseguiria viver fora desse horizonte...
Jesus é a Palavra de Deus feita carne
solidária, e suas palavras são portadoras de dignidade e vida. Pedro entendeu
bem: “Tu tens palavras de vida eterna.” Ele
sabia muito bem que, diante de Jesus, todos se descobrem pessoas dignas e
capazes, conduzidas a uma liberdade sempre mais plena e exigente, portadores de
uma vida cada vez mais plenificada, peregrinos de um caminho que liberta porque
jamais termina. Mas não é possível ser cristão e, ao mesmo tempo, permanecer
dentro das premissas da cultura individualista. Não podemos cair na tentação,
sempre presente e forte, de adocicar e amenizar a mensagem de Jesus Cristo, submetendo-a
ao nosso desejo de prosperidade e grandeza.
Crer em Jesus significa experimentar uma
liberdade radical, capaz de promover a liberdade de quem convive conosco. Só
quem foi libertado de tudo está em condições de servir. “Sejam submissos uns
aos outros no amor de Cristo”, pede Paulo aos esposos e a todos os cristãos. Submissão
(missão subalterna) significa estar à disposição do outro, e isso nos leva a
assumir o fardo do outro, a ser substituto, a suportá-lo nas penas e
sofrimentos, nos sonhos e buscas. Paulo aplica isso à relação entre marido e
mulher, mas a reciprocidade no amor e no serviço se aplica a todas as relações.
Eis a novidade cristã!
Jesus amado, Profeta temido por tua intrepidez,
Pão que alimenta nossa fome mais profunda, Palavra que nos mantém no belo e
difícil caminho da vida! Ensina-nos a encontrar a simplicidade profunda do teu
Evangelho e a vivê-lo com inocente e desarmada alegria. Ajuda-nos a viver a
submissão e o serviço recíprocos e a fazer disso uma pequena mas persistente
diferença. Ilumina e fortalece nossos catequistas: que eles experimentem paradoxal
glória de descer ao encontro dos mais pobres, para ser tua Boa Notícia para
eles, e conduzir ao teu encontro as pessoas a eles confiadas. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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