Como quando falece uma pessoa querida, reunimo-nos hoje em
vigília, marcados pela dor da perda, recapitulando a história da salvação,
regando as frágeis sementes de esperança que nos restam. Acompanham-nos muitas
testemunhas que nos antecederam nessa travessia. Mas a vigília sempre nos
possibilita também assumir a herança humana e espiritual de quem partiu,
levantar o olhar, contemplar o horizonte e encontrar forças para continuar a
caminhada. Aqui estamos, acariciando o pequeno fio de esperança: “Eu sei que
uma dor assim pungente não há de ser inutilmente...”
É uma ilusão inocente ou maldosa imaginar que nossa vida
individual e social muda num golpe de mágica. A ação criadora de Deus é sempre
lenta, e avança numa luta sem tréguas contra o vazio, o caos e o abismo. Como
os hebreus fugindo do Egito, quem luta se vê frequentemente encurralado, com o
mar intransponível à frente e as tropas ameaçadoras atrás. Nossa experiência
ainda hoje é de que existem pessoas lutadoras e iniciativas promissoras, mas
são frágeis e estão muito dispersas, como o povo de Israel no cativeiro da
Babilônia. E sem falar nas perseguições e linchamentos judiciais e midiáticos,
que querem abortar mesmo os mais frágeis projetos de mudança. Onde estão os
sinais da páscoa?
O vazio da sepultura não é prova da ressurreição, mas
convida a perceber que as marcas dos pregos e o corpo torturado não são a
última palavra de Deus sobre a história. Na tumba vazia, anjos e mulheres estão
anunciando que o caos do lixo pode dar lugar a uma criação harmoniosa, que o
mar ameaçador pode ser atravessado a pé enxuto, que os grupos dispersos podem
ser reunidos, que os crucificados caminham à nossa frente e vislumbram
novidades em gestação. Precisamos abrir-nos às novas possibilidades escondidas
no segredo do átomo, no íntimo das pessoas, nos caminhos da história...
Aquelas mulheres madrugadoras, as poucas conhecidas e as
muitas anônimas, estão a nos dizer que, para entender o mistério da vida e da
morte, precisamos retomar a Palavra de Jesus, do dinamismo da sua compaixão e
doação. Como discípulos seus, não podemos insistir em buscar entre os mortos
aquele que está vivo, em enclausurar no passado aquele que é presente e futuro.
A admiração diante do túmulo vazio é apenas o começo, e não pode ser um convite
a ‘voltar para casa’, ignorando solenemente nossa responsabilidade com a ‘casa
comum’. É preciso morrer para o pecado e renascer para o cuidado!
Como cristãos, completamos em nossos corpos os sofrimentos
de Jesus Cristo, ostentamos as marcas de quem vive a misericórdia e cuida da
casa comum. A ressurreição se multiplica como semente no testemunho e nas
iniciativas de discípulos e discípulas, comunidades e Igrejas, grupos e
movimentos. Como na ressurreição de Jesus, os sinais pequenos e desprezíveis
passam a ser reais e promissores. O batismo, recordado e celebrado
comunitariamente na vigília pascal, expressa este dinamismo na vida de cada um
de nós e da comunidade eclesial. Morreu o velho homem, nasceu uma nova criatura!
Já vivemos e sofremos o bastante para saber que esta
passagem não é nem automática, nem evidente. Trata-se de um projeto de vida
que, para ser realizado, exige disciplina e empenho sem tréguas. Porque a luta
não é apenas contra inimigos externos, mas pede vigilância sobre nós mesmos e
sobre a permanente tentação de sermos sempre os primeiros e os merecedores,
deixando a ninguém o cuidado do que é de todos. Mas esta não é uma luta
inglória, pois Jesus de Nazaré, nosso irmão maior, já venceu a batalha, removeu
muitas pedras, derramou sobre nós seu Espírito e nos fez capazes de compaixão.
Os primeiros cristãos resgataram uma imagem preciosa para
falar da ressurreição de Jesus: Ele é como uma pedra que os construtores
jogaram no lixo e que Deus transformou em pedra de ângulo, pedra que sustenta
todo o teto em forma de abóbada. Por isso, a páscoa pede que abramos os olhos e
as portas às pessoas e grupos sociais descartados como desnecessários ou
eliminados como incômodos. Se não os tivermos no coração das nossas
preocupações, celebrações e projetos eclesiais, nossa fé poderá ser como casa
construída sobre a areia, e nossa utopia pode se deteriorar em simples
ideologia.
Senhoras da madrugada, mulheres-coragem: humildemente
pedimos vossa ajuda para caminhar na noite que nos envolve, para ver com nossos
próprios olhos que o mestre de vocês e nosso nos precede na periferia e no
deserto. Segurem nossas mãos cansadas e acompanhem nossos passos inseguros.
Emprestem-nos um pouco do perfume que vocês souberam conservar, a fim de não
chegarmos de mãos vazias ao encontro com Aquele que vive para sempre. E então
anunciaremos de mil modos que a carne amada e amante de Jesus vivifica todos os
sonhos e esperanças que habitam nossa humanidade. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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