São João da Cruz é o
teólogo que não envelhece. É sempre novo e atual. Os homens de ontem, de hoje e
de amanhã contemplam este carmelita descalço. Amigo de Santa Teresa d’Avila
como de alguém que tem possibilidade de dizer uma palavra definitiva que
resolve o drama da angústia existencial em que nos encontramos envolvidos.
João da Cruz não é um teórico dos caminhos da
espiritualidade, mas alguém que, tendo se decidido a procurar Deus e a entrar
em comunhão com ele, põe-se a caminho e canta, com alegria, esta difícil
aventura da fé:
“Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias, inflamada.
Ohl ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já em minha casa estando, sossegada”.
São João Evangelista nos diz que Deus é amor, luz e vida.
Somente comunicando com ele e deixando-nos amar por ele, sentimos uma profunda
transformação interior. Cabe ao homem entrar na dinâmica de Deus. Ser alguém
que, sedento de paz e alegria, procura a “fonte cristalina” onde vai
encontrando a água viva.
Para João da Cruz, Deus é noite, que somente se dá a
conhecer para quem corajosamente se aventura nesta busca. Jamais poderemos
descobrir plenamente o mistério do Infinito. Sempre faltará algo.
Deus é mistério e permanece tal. Aqui na terra, na espera de
contemplá-lo face a face, somente o vemos como refletido num espelho. A consciência da nossa limitação nos faz sofrer e gemer.
Corremos atrás do Amado.
João da Cruz é um místico inquieto. Não se contenta de
pequenas descobertas ou de encontro sentimental com o Infinito. Quer que nessa
busca sejamos guiados pela “fé pura”, que não admite espaço para estéril
devocionismo. Daí a sua inata aversão e desconfiança frente a toda manifestação
do sobrenatural. Caminha na fé sem nenhum outro apoio que a fé animada pela
esperança e fortalecida pelo amor.
A trajetória da vida de João da Cruz é simples. Somente 49
anos marcados pelo sofrimento e pelas incompreensões; por grande inimizade dos
que não conseguiram entender o seu radicalismo profético de amor para o Reino e
ao mesmo tempo marcado pela grande amizade com Santa Teresa d’Avila, que lhe
permite levar a frente o seu projeto de amor e doação.
Um profeta solitário que percorre a Espanha de seu tempo,
levando sua mensagem de vida e esperança. Prefere ver-se abandonado e
marginalizado a compactuar com o estilo de vida que não lhe parece conforme ao
ideal e ao carisma carmelitano.
A infância de João da Cruz é de uma criança órfã de pai que
se vê obrigada a assumir o caminho do pobre migrante para sobreviver. Abandona
a tranquilidade de Fontiveros e se mergulha na caótica confusão de Medina Del
Campos, onde para sobreviver enfrenta os mais varia- dos serviços de biscate:
costureiro, entalhador, pintor, enfermeiro. Longe da família, pensa na mãe e
nos irmãos que raramente vê.
Possui forte personalidade que lhe permite lutar para vencer
e sair da pobreza. E um lutador! Trabalha de dia e estuda de noite. Um estilo
de vida semelhante a tantos jovens de hoje que, impedidos de “ser” pelas estruturas
injustas, não se entregam ao desânimo: procura vencer, alcançando o ideal de
uma vida mais justa.
Dentro da vida religiosa carmelitana, João da Cruz não
encontrará um ambiente que lhe favorece o crescimento de suas qualidades e a
realização de seus anseios. Não aceita um estilo de vida “medíocre e vazio”;
parte para uma nova forma de vida marcada pela austeridade. Será um nômade que
vai revelando o seu amor pelo reino como fermento que questiona uma sociedade e
uma Igreja não comprometida.
A dura experiência de isolamento no convento de Toledo será
para ele fonte de amadurecimento e de plenitude humano-espiritual. E nessa situação de extrema solidão e incompreensão que
brotam do seu coração os versos da mais alta poesia:
“Onde é que te escondeste,
Amado, e me deixaste com gemido?
Como o cervo fugiste,
Havendo-me ferido;
Saí, por ti clamando, e eras já ido”.
João da Cruz sabe por experiência que para chegar à posse de
tudo é preciso despojar-se de tudo o que não é Deus. E um profeta que soube enfrentar corajosamente o
desconhecido, por amor ao Cristo.
Poucas horas antes da morte, na noite de 13 de dezembro de
1591, na pequena cela do convento de Ubeda, João da Cruz mandou parar as
orações litúrgicas da agonia e pediu que lhe fosse lido o livro que ao longo de
sua vida mais amou: O Cântico dos Cânticos. Diante da ternura das palavras
desse livro de amor exclamou: “Que pérolas preciosas!”
Durante toda a sua vida, este contemplativo, sedento do
infinito, não fez outra coisa senão: viver o amor, cantar o amor e ensinar o
amor. O ferido de amor não se cura a não ser com o amor. A mensagem de Frei
João da Cruz é uma só:
Onde não há amor, colocai o amor e colhereis o amor
O amor para João da Cruz não é palavra vazia; é palavra que
se faz carne, vida, gestos.
E preciso reaprender a amar com todo o nosso ser, com os
sentimentos, com o corpo. Um afeto demasiadamente espiritualizado é
inexistente. Jesus veio nos ensinar a traduzir o amor em obras: dar comida a
quem tem fome, a vestir os despidos, visitar os que sofrem, acolher os desabrigados.
João da Cruz é o teólogo que possui o dinamismo da
verdadeira teologia da libertação: oferece ao homem meios para vencer o egoísmo
e encontrar-se com o Senhor da História.
A América Latina vive a sua Noite Escura, sofrida, fruto de
exploração e ganância. E preciso acordar o homem que à luta prefere ficar
adormecido na alienação da colonização que surda e sutilmente continua a sua
marcha esmagadora. Somente o contemplativo por natureza inquieto vai desinstalar-nos
dos nossos comodismos.
São João da Cruz vem nos dizer: não há experiência de Jesus
onde há exploração do homem. Essa experiência acontece somente através da
Justiça e do Amor.
Frei Patrício Sciadini
“Se a alma procura a Deus, muito mais o seu Amado a procura.”
São João da Cruz
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