Partilhamos uma linda reflexão de Pe. Itacir Brassiani sobre este dia em que lembramos todos aqueles que partiram deste mundo.
A morte não têm nenhum poder
sobre a vida de quem ama.
É
possível celebrar a morte, o fim sem volta da existência humana? Não seria a
morte sempre uma tragédia, uma perda irreparável? É verdade que procuramos
desesperadamente construir pontes – com os tijolos das palavras e dos ritos e
dos símbolos, do amor saboreado e da fé teimosa – sobre o abismo que separa os
que estamos aqui e as pessoas queridas que se foram. Mas a morte seria mesmo
apemas um abismo ou um muro entre duas terras firmes, o aqui e o além, o fim
obscuro e lamentável da nossa bela, apesar de tudo, mas sempre precária
existência?
Não lamentamos
a morte das pessoas que consideramos más, ou que não tiveram uma influência
positiva sobre nós. Conhecemos gente que se dispõe a antecipar o fim da vida de
pessoas a quem consideram inimigas, e até da própria vida, quando lhes parece
difícil, triste, sem sentido e sem futuro. Mas tudo muda de figura quando se
trata do fim de uma vida plena de sentido ou de uma pessoa que queremos bem e
nos é preciosa. A morte das pessoas que nos são caras abre as portas da crise e
nos chama à busca de sentido. Se a morte não assusta, ao menos entristece.
No
evangelho de hoje, Maria, irmã de Marta e Lázaro, procura em Jesus um sentido
para a morte de uma pessoa justa, boa e querida. Começa cobrando a demora e o
aparente descaso de Jesus: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria
morrido!...” Jesus tinha sido informado da enfermidade do amigo Lázaro, e o
desejo de prolongar e tornar menos difícil a vida das pessoas que amamos é
muito normal. Jesus se comove com a dor de Maria, de Marta e dos amigos e
amigas que as acompanham. Sua comoção e suas lágrimas suscitam admiração.
“Vejam oq uanto era amigo dele!...”
Mas, na
boca de outros, aparece um questionamento que também nos ronda, especialmente
quando da partida mais ou menos trágica dos nossos entes queridos: “Se ele
curou os cegos e os mudos, se ele nos ama de verdade, porque permite que isso
aconteça?” Jesus começa onde colocaram Lázaro, mas Maria o adverte que já está
se decompondo e cheirando mal. Então é a vez de Jesus questionar: “Eu não lhe
disse que, se acreditar, você verá a glória de Deus?” Não é o milagre que nos
leva a crer; é a fé que abre nossos olhos e nossas mãos para uma dimensão
indestrutível da vida!
Por trás
do diálogo tenso entre Jesus e Maria está uma questão muito importante e atual:
o que esperamos de Jesus? Cura, prolongamento da vida, reestabelecimento de uma
situação do passado, ou vida plena, vida com uma densidade e uma força que
nenhuma forma de morte pode estancar? Porque é Vida e caminho de amor e
compaixão que a ela conduz, Jesus é ressurreição, é expressão da glória de Deus
e caminho de vida plena. Com seu modo de ser e de agir, com sua proposta de
vida, ele suscita vida e, por isso, também a re-suscita. Nele encontramos a vida saborosa e intensa que
desejamos.
Como
Lázaro, quem adere a Jesus Cristo e escuta sua Palavra, quem refaz o seu
caminho, quem vive sob impulso do seu Espírito e por ele se deixa guiar, sai
para fora, não se deixa amarrar por nada, continua suscitando vida. A vida de
tais pessoas é mais que uma história a ser recordada, louvada ou lamentada: é
percurso que continua aberto, Travessia ainda em curso, beleza que continua
atraindo, dinamismo que continua movendo e sustentando outras vidas. E isso sem
entrar na complicada questão de uma existência pós-histórica, em moldes
semelhantes à nossa vida presente.
Como
cristãos, cremos que a vida humana, e todas as expressões da vida, é pascal, ou
seja: é Travessia, Passagem, Caminho. A história – nas suas dimensões de
passado, presente e futuro – e o corpo – nas suas dimensões de interioridade e
exterioridade – são a paisagem, o chão e a expressão da vida, mas não a
esgotam, nem a detém. Quem desiste de peregrinar rumo ao outro mundo possível,
renega a fé em Jesus Cristo e morre definitivamente, mesmo que continue
biologicamente vivo. Mas uma vida doada pela Vida não pode ser tragada pela
morte.
Jesus de Nazaré, Unigido do Pai para suscitar e
ressuscitar a Vida! Também tu viveste a fragilidade e amaste desmedidamente.
Como a tua, também nossa existência é pó que o vento leva, é erva que o vento
seca. Ajuda-nos a vivê-la em ti, no teu espírito, no dinamismo da tua compaixão
humanamente divina e sem medo do nada da morte, pois a bondade tua e do teu e
nosso Pai vem desde sempre e dura para sempre. Ensina-nos a cumprir a apaixonante
Travessia do nosso viver, e que a lembrança daqueles que entraram na morada
definitiva ilumine e perfume nossa estrada. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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