Estamos
iniciando um novo tempo litúrgico,
marcado pela expectativa, pela vigilância e pelo serviço. Somos convidados a compreender vitalmente o núcleo central
da esperança do povo de Israel e das comunidades cristãs. Serão quatro semanas para
reviver os milênios de expectativa messiânica do povo de Israel e os nove meses
de espera da Sagrada Família. Será um tempo para convergir nossos esforços no
reconhecimento e na acolhida daquele que vem na fragilidade humana, nas brechas
da história. Será um tempo propício para acariciar nossas mais belas e
profundas utopias.
O convite
de Jesus à vigilância se situa no contexto da crise e relativização dos poderes
considerados absolutos e do advento do humano (ou da vinda do Filho do Homem). Ele
usa uma linguagem apocalíptica, dizendo que as estrelas caem, os poderes são
abalados e as estruturas basilares da ordem social e política sofrem um
eclipse. Como as folhas novas da figueira indicam a chegada dos frutos, esses
sinais históricos anunciam que uma nova ordem social e uma nova humanidade
estão batendo às nossas portas. Tudo o que é histórico é transitório, só a
Palavra viva de Deus permanece.
Mas, para
os discípulos do tempo de Marcos, a questão crucial era como chegaria e se consolidaria o humano desejado e a ordem justa
esperada. Jesus ressalta que o Reino de Deus e o ser humano renovado vêm de baixo, lançam raízes na família
humana, que experimenta a noite escura da fragilidade e da injustiça. Ou,
dizendo de outro modo, a nova humanidade vem
de cima, do alto da cruz, da doação generosa e solidária de nós mesmos e de
tudo o que possuímos em favor da vida dos últimos. A Palavra que não passa é aquela
que Jesus pronunciou silenciosamente no alto da cruz!
“O que eu
digo a vocês, digo a todos: fiquem
vigiando!” Nesse pedido, Jesus antecipa o que dirá pouco mais adiante, no
Getsêmani: “Minha alma está numa tristeza de morte. Fiquem aqui e vigiem” (Mc 14,34). Essa vigília deveria se estender em
quatro momentos sucessivos: a prisão, a negação, a espera e o amanhacer. Mas os
discípulos não conseguiram vigiar nem uma hora, e dormiram. Eles não
conseguiram assimilar o getsêmani da história, a vulnerabilidade de Deus. A vigilância
se fez disfícil porque os discípulos não
sabiam o momento e o modo da
manifestação do reino de Deus.
O
problema se agrava porque hoje muitos cristãos não alimentam mais qualquer
espécie de esperança. Não esperam o advento
do humano. Não crêem na possibilidade de um mundo outro. Não querem ser perturbados no sono tranquilo e
indiferente à sorte dos irmãos e da natureza. E há cristãos que mantêm a
esperança, mas continuam confiando nos meios
potentes. Não conseguem conceber uma Igreja dos pobres e pelos pobres. Preocupam-se
mais com rúbricas litúrgicas que com a justiça e a misericórdia. Preferem
dormir sob a proteção dos impérios que transformá-los com a força da fé.
Por isso,
precisamos permanecer vigilantes, e não só no Advento! A vigilância é hoje
escassa e urgente. E deve ser permanente. O mundo é um grande getsêmani, e nós
somos convocados a uma insônia histórica,
a manter os olhos abertos e a inteligência lúcida para discernir os sinais de
advento do humano. Precisamos cultivar a generosidade que gera o Homem Novo e a Nova Sociedade, permanecer vigilantes para acolher o que está sendo
gerado, inclusive fora do ventre da Igreja. Esperar que Deus se revele ao mundo
e no mundo, que seja gerada e se manifeste uma Nova Ordem humana e social.
Paulo nos
lembra que o próprio Deus é avalista desta esperança, que Aquele que nos chamou é fiel. Sua graça é experiência já no presente:
em Jesus fomos enriquecidos na Palavra e no conhecimento. Nele recebemos tudo,
e nada de essencial nos falta. Nele já recebemos todas as riquezas que
poderíamos desejar. Ele nos fortalecerá até o fim. É claro que é preciso
acolher essa riqueza como herança, fazê-la frutificar. Mas temos motivos para
confiar, sem nos inquietar, pois “é ele também que vos dará perseverança em
vosso procedimento irrepreensível, até o dia de Nosso Senhor, Jesus Cristo”.
Deus pai e mãe, ventre e pátria de todas as criaturas,
sonho e promessa dos inconformados e inquietos! Tu sempre vens, e teu movimento
é de descida. Ouvido algum escutou, olho nenhum viu um Deus igual a ti. Vens ao
encontro de quem pratica a Justiça, e pouco te interessam ritos e cânticos. Em
Jesus, vens a nós como agricultor e videira, como pastor e cordeiro, como
salvador e irmão, como paz e justiça. Caminha conosco e guia-nos nas estradas
do serviço solidário! Desperta nossa
nossa fé anestesiada por práticas
que pouco têm a ver contigo. Salva-nos das trevas, da escravidão! Amém!
Assim seja!
Itacir Brassiani msf
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