Nosso Deus tem um coração, grande e
compassivo.
A tentação de imaginar Deus de forma abstrata
e de propor a mensagem cristã de forma estritamente doutrinal está sempre
rondando os cristãos das diferentes Igrejas. A doutrina do Deus uno e trino,
celebrada na festa da Trindade, pode virar uma difícil questão de matemática ou
de metafísica. A boa notícia recordada pela solenidade de Corpus Christi pode
descambar numa discussão polêmica, fisicista e anti-ecumênica. E, com isso,
acabamos representando o mistério de Deus mediante figuras abstratas ou
ameaçadoras, como o triângulo, a lei, o olho, o juiz, o rei, o chefe dos
exércitos...
Precisamos superar os resquícios de imagens
abstratas, parciais e distorcidas de Deus. Que consolação podemos encontrar
naquela representação de Deus como um triângulo composto de linhas e ângulos
absolutamente simétricos, mas carentes de pulsação e de vida? Que orientação ou
estimulo pode nos vir de conceitos herméticos como união hipostática, duas
pessoas em uma natureza, três pessoas em um só Deus? Por mais que sejam
doutrinalmente ortodoxas, estas fórmulas não são capazes de produzir liberdade,
solidariedade e vida...
A Sagrada Escritura nos apresenta a história e
a imagem de um Deus vivo, que se caracteriza pela Compaixão, e é isso que a
solenidade do Sagrado Coração de Jesus quer colocar em evidência. Não
precisamos ter medo de reconhecer traços antropomórficos em nossas imagens de
Deus. Nunca nos livraremos disso. O que precisamos evitar é a tentação de
projetar na ideia de Deus elementos de uma antropologia que exclui a
corporeidade, a relação, a compaixão e a solidariedade. Estes elementos mutilam
nossa humanidade e distorcem nossa ideia de Deus!
A solenidade do Sagrado Coração de Jesus quer
sublinhar que Deus tem um rosto humano, um coração que ama apaixonadamente a
humanidade. Aliás, é pouco e insuficiente dizer que Deus nos ama: Ele é amor, e
sua relação conosco só pode ser de amante para amado, de pai e mãe que recompõe
as forças dos filhos cansados e levanta o ânimo dos abatidos. Um Deus que é
amor não traz fardos, mas alívio, não profere sentenças condenatórias mas
multiplica atos que libertam. Celebrar o coração sagrado de Jesus significa celebrar
a revelação de Deus como amor, apenas amor, sempre amor.
Como filhos e filhas gerados no ventre de
Deus, como gente que recebeu nos lábios o beijo e o Sopro de Deus para ser no
mundo sua imagem viva, também somos chamados a conjugar o verbo amar, especialmente
no modo indicativo, no presente e no futuro, e na primeira pessoa do singular e
do plural. João escreve: “Se Deus nos amou assim, nós também devemos amar-nos
uns aos outros... Deus é amor: quem permanece no amor permanece com Deus e Deus
permanece com ele.” Quando nossas relações são sustentadas pelo amor,
demonstramos que conhecemos quem é Deus!
Moisés lembra aos hebreus que a afeição de
Deus por eles não é motivada pelo poder ou importância que possam ter, mas pela
insignificância, não porque eles fossem bons, mas porque Deus é bom, é amor. Seu
amor é causa e não consequência de nossa retidão. Deus é assim! Jesus faz
questão de afirmar que Deus não se dá a conhecer aos sábios e entendidos, aos
grandes e poderosos, mas aos pequeninos e humildes. E é aos cansados e
fatigados que ele dirige seu convite e faz sua oferta de alívio e descanso. É
isso que significa a mansidão e humildade de coração que o caracteriza e que
nós invocamos.
Mais que na celebração de cultos solenes, na
elaboração de doutrinas eruditas e na obediência formal a leis minuciosas, a
alegria de Deus consiste em buscar e proteger as pessoas indefesas e ameaçadas
e preparar para elas uma mesa farta diante dos inimigos que as perseguem sem
tréguas. E isso na proporção de 1 por 99! E ele também se alegra com os homens
e mulheres que, estimulados por seu jeito de ser e de amar, procuram fazer o
mesmo. Este é o caminho e a proposta de Jesus, e não deveria ser outro o
caminho das Igrejas e de todos aqueles que creem que Deus tem um coração. Haja
coração!
Jesus de Nazaré, Coração de Deus na carne
humana, Compaixão de Deus na complexidade da história! Tu nos revelaste a
Misericórdia e o Amor como dinamismos que aproximam e articulam a divindade da
humanidade. Traído, preso e executado na cruz, tu nos amaste até o fim e para
além de todo merecimento. Do teu lado aberto pela lança, deixaste correr sangue
e água, dando-nos o Espírito que te movia, para que, atraídos por teu coração,
pudéssemos beber na fonte da salvação. Por isso, não cansamos de louvar teu
nome e de pedir que seja teu o coração que sustenta nossa missão. Mas
precisamos que permitir que teu amor nos regenere, de novo e sempre. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário