Síntese da mensagem: em pleno ano jubilar da misericórdia
nos surpreende este evangelho de Lucas sobre o bom samaritano, que recolhe
todas as características da caridade misericordiosa, pregadas e vividas por
Cristo durante a sua vida terrena, para que também nós o imitemos.
Pontos da ideia principal:
Em primeiro lugar, fixemos a atenção no sacerdote que passa
reto. Qual era a função ou ministério do sacerdote- em hebraico kún- do Antigo
Testamento? É o homem que “está diante de Deus” (Dt 10,8). Também, o sacerdote
seria o homem que se inclina em adoração diante da divindade. Outros ainda
relacionam o termo com uma raiz com fundamento em siríaco, que expressa o
conceito de prosperidade; o sacerdote é o homem que, por meio da bênção,
procura a prosperidade para todos. Em grego, kohen foi traduzido por hiereús,
termo emparentado com hierós, sagrado; o sacerdote é o homem do sagrado.
Resumindo as suas funções: fazer oráculos por meio de objetos chamados tummim e
‘urim (cf. 1Sam 23,9; 30,7) ensinam os preceitos de Deus (cf. Ag 2,11s; Zac
7,3; Dt 31,9; Mal 2,7); à função do ensino vai ligada também uma certa
competência jurídica (cf. Dt 21,5); outra função, oferecer os sacrifícios (cf.
Dt 33,10); pureza ritual, e por isso deviam evitar todo contato que os tornasse
impuros (basta ler o livro do Levítico), transmitir a bênção de Deus e a
custódia do Santuário. Agora entendemos como foi gravíssima aos olhos de Deus a
omissão deste sacerdote diante desse homem jogado e apanhado no meio do caminho
e quase morrendo. Nada fez para socorrê-lo. Os seus olhos fechados por egoísmo.
O seu coração petrificado pelo legalismo. As suas mãos escleróticas pelo peso
de tantos candelabros. De que serviriam as suas rezas sem caridade
misericordiosa? De que lhe serviam os seus incensos cheirosos no templo, se não
soube ver a imagem de Deus ferida nesse próximo que agonizava e que cheirava à
injustiça, à abuso? “Não serve para nada”, dir-nos-á são Paulo no famoso hino
da caridade (cf. 1 Cor 13, 1-13).
Em segundo lugar, fixemos a atenção no levita que também
passa reto. Qual função realizava o levita? Em Israel as funções cultuais foram
confiadas aos levitas, competência especial para o culto (cf. Juízes 17, 7-13).
Também, atuavam como guardiões do templo e das diversas cerimônias e oferendas
que aconteciam ali dentro. Os levitas oficiavam o serviço da manhã, ofereciam a
bênção no final do serviço- como porta-vozes diretos de Javé- e pediam a
influência divina do seu deus. Eles eram criados dentro do templo ajudando
outros sacerdotes, e se desempenhavam como guardiões do tabernáculo. Dado que
se sacrificavam muitos animais como oferendas no templo, eles realizavam estes
sacrifícios. Esperava-se que os levitas sentissem zelo pelo Senhor, até o ponto
de sacrificar qualquer direito sobre uma propriedade ou posse de terras. Como
representantes de Javé, ou “Cohen” em hebraico, deviam mostrar certas
características piedosas como a bondade, a sabedoria e a justiça. Agora se
entende a gravidade da omissão do levita deste evangelho de hoje: viu o irmão
jogado, ferido, meio morto, e passou reto. De que serve a piedade sem a
caridade? De que serve a sabedoria sem a caridade? De que serve abrir e fechar
portas dos templos e acender velas aos santos e oferecer ex-votos e fazer
peregrinações a pé e flagelar-se, e impor-se jejuns e abstinências fortes, sem
a caridade? De novo responde são Paulo: “Não serve para nada”.
Finalmente, fixemos a atenção no bom samaritano. O que e
quem era um samaritano? Os samaritanos (habitantes da cidade e região da
Samaria), não eram bem vistos pelos judeus do sul, devido a certas diferenças
raciais que provinham desde a época do primeiro cativeiro. Embora eram hebreus, eram desprezados e
considerados como hebreus estrangeiros, ou hebreus de segunda classe, pelos que
eram de Judá (no sul). E porque se misturaram com os estrangeiros que tinham
trazido de Assíria e Babilônia, eram tidos como mestiços e racialmente impuros.
Aliás, adotaram uma religião que era uma mistura de judaísmo e idolatria (2 Re
17,26-28). Mais motivos de ódio contra os samaritanos: os judeus, depois da sua
volta da Babilônia, começaram a reconstruir o seu templo, e enquanto Neemias
estava comprometido na construção dos muros de Jerusalém, os samaritanos
vigorosamente tentavam deter o projeto (Neemias 6, 1-14); e eles mesmos
construíram um templo para eles mesmos no “Monte Gerizim”. Mais, Samaria se
converteu num lugar de refúgio para todos os foragidos da Judeia (Josué 20, 7;
21, 21). E o cúmulo: os samaritanos receberam somente os cinco livros de Moisés
e rejeitaram os escritos dos profetas e todas as tradições judaicas. Agora
entendemos todo o ódio, o desprezo dos judeus contra essa raça. E, porém, o
samaritano do evangelho, como reagiu diante do pobre judeu jogado e meio morto
pelo espancamento propinado? Viu esse
homem. Sentiu compaixão dele. E tirou do seu coração gestos da caridade
misericordiosa: aproxima-se, desce do jumento, derrama vinho e azeite sobre as
suas feridas, venda-as, monta-o sobre a cavalgadura, leva-o a uma hospedagem,
paga por ele. Caridade que não desemboque em detalhes concretos não é caridade
misericordiosa: será, quem sabe, filantropia.
Para refletir: Santo Agostinho nos faz refletir sobre esta
parábola. Quem está jogado e espancado na beira do caminho é toda a humanidade.
Os três grandes inimigos do homem- mundo, demônio e as nossas paixões- são os
que nos deixam meio mortos. Cristo é o Bom Samaritano que desce do céu e se
aproximou de nós, colocando em nós o balsamo dos seus sacramentos, levando-nos
à hospedagem da Igreja e pagando com o seu sangue o preço que exigiam tantos
cuidados. Em qual personagem nos refletimos: sacerdote, levita ou samaritano?
Para rezar:
Senhor, não quero passar de longe
Diante do homem ferido no caminho da vida.
Quero me aproximar
E me contagiar da
vossa compaixão
Para exprimir a vossa ternura,
Para oferecer o
azeite que cura feridas,
O vinho que recreia e
enamora.
Vós, Jesus, bom samaritano,
Aproximai-vos de mim,
Como fizeste sempre.
Aproximai-vos de mim,
Ferido pelas flechas da vida,
Pela dor de tantos irmãos,
Pelos mísseis da guerra,
Pela violência dos poderosos.
Sim, aproximai-vos de mim,
Bom samaritano;
Levai-me nos vossos ombros, pois ou ovelha perdida;
Carregai todas as minhas quedas,
Ajudai-me em todas as minhas tribulações,
Fazei-vos presente em todas as minhas horas baixas.
Vinde, bom samaritano,
E fazei-me ter os vossos mesmos sentimentos,
Para não dar nunca uma volta
Diante do irmão que sofre,
Sem fazer-me companheiro dos seus caminhos,
Amigo das vossas solidões,
Próximo das vossas doenças,
Para ser, como Vós, “ilimitadamente bom”
E passar pelo mundo “fazendo o bem”
E “curando as doenças”
Amém.
Comentário sobre a liturgia do Pe. Antonio Rivero, L.C.,
Doutor em Teologia Espiritual, diretor espiritual e professor de Humanidades
Clássicas no Centro de Noviciado e de Humanidades da Legião de Cristo em
Monterrey (México)
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