A festa cristã da Páscoa celebra o
reconhecimento de Jesus – o profeta perseguido e assassinado, o irmão e
servidor da humanidade – como Filho de Deus. Proclama que, nele, Deus vence
todas as formas de morte, desde a morte física dos indivíduos até a morte
progressiva e massiva que resulta das estruturas iníquas e dos poderes
despóticos, passando pela agressão e morte silenciada do ecossistema e dos
diversos biomas. A páscoa anuncia que Jesus, a pedra sem utilidade e considerada
problemática, foi considerado por Deus como pedra fundamental da construção de
um mundo novo.
É isso que escutamos no testemunho
entusiasmado e corajoso de Pedro. Ele recorda que Jesus andou por toda parte
fazendo o bem e agindo sem medo, apesar da violência que havia levado João
Batista à morte. E sublinha que Deus estava com Jesus, inclusive no vazio e no escuro
da cruz, quando parecia havê-lo abandonado. Foi o próprio Deus que o
ressuscitou dos mortos e transformou em juiz aquele que fora réu de morte. E os
discípulos da primeira hora, apesar da dificuldade de acreditar nele e de tê-lo
abandonado, são constituídos testemunhas e pregadores desta Boa Notícia.
A Páscoa de Jesus de Nazaré e dos cristãos
celebra as infinitas possibilidades escondidas na vida de cada pessoa, na
história da humanidade e no mistério de todas as criaturas. Afirma que a última
palavra não será do discurso frio daqueles que impõem sua injusta ordem e
mandam calar os profetas. Proclama que a ação realmente eficaz e grávida de
futuro é aquela que estabelece a absoluta superioridade do outro, da vítima, do
pequeno. Evidencia que a direção certa e o sentido da vida estão no
esquecimento de si, no fazer-se semente de uma outra vida, no viver uma
liberdade que se faz solidariedade.
E é claro que esta não é uma realidade que se
manifesta apenas depois da morte. Paulo afirma surpreendentemente que os
cristãos já foram ressuscitados. Ele fala do dinamismo pascal do nosso batismo,
que possibilita e requer a passagem de uma vida fechada em pequenos interesses para
uma vida plena e solidária. “Procurem as coisas do alto!”, exorta Paulo. E isso
significa assumir um estilo de vida centrado no dom e no amor, no serviço e na
partilha, no compromisso perseverante e generoso com a gestação de um outro
mundo, na conversão permanente da Igreja ao Evangelho de Jesus Cristo.
Mas a ressurreição de Jesus não é algo que se
impõe com força de evidência, que vem acompanhado de manifestações potentes. É
fé e crença que começa com uma sepultura vazia, diante da qual Maria Madalena
foge alarmada para avisar Pedro e João. Estes correm e, chegando, entram na
sepultura vazia e vêem os panos e o sudário. Somente mais tarde Madalena abrirá
os olhos, quando será chamada pelo nome. E os discípulos desanimados
encontrarão Jesus com fisionomia de peregrino no caminho de Emaús. E os outros
apóstolos o reconhecerão numa manhã cinzenta, depois de uma pesca frustrada.
O evangelho diz que o dia já havia amanhecido,
mas, na cabeça de Maria Madalena e dos demais discípulos e apóstolos, a
experiência do fracasso pairava como escuridão intransponível. Só muito
lentamente eles foram percebendo que os lençóis estendidos não estavam lá para cobrir
um cadáver, mas para acolher as núpcias de uma nova aliança. O sudário sim,
depois de cobrir a cabeça de Jesus, estava à parte e envolvia totalmente o
templo, o lugar onde a morte fora tramada e deliberada. Precedido e encorajado
por Maria Madalena, o discípulo amado entrou na sepultura escura e fria, “viu e
acreditou”.
A Páscoa de Jesus de Nazaré inaugura a nova
criação. Não se trata de uma simples correção do passado, de perdão dos
pecados, de vitória sobre a morte física e individual. Jesus de Nazaré, o
ressuscitado que traz no corpo as marcas dos pregos e da lança, que passou
fazendo o bem, é o Homem Novo, o Primogênito de todas as criaturas e o Irmão de
todos os homens e mulheres. Em seu nome, os discípulos e discípulas se reúnem e
organizam comunidades que continuam sua pró-existência, engajados na defesa da
vida de todas as criaturas, desconhecendo todo e qualquer limite excludente.
Deus Pai e Mãe, útero sagrado no qual a Vida é
gerada e regenerada: obrigado pela luz e pela força da ressurreição de Jesus
Cristo que hoje estamos celebrando. Aqui renovamos a convicção de que o Filho
do Homem e Irmão dos Pequenos se tornou juiz dos vivos e dos mortos, dos que escravizam
e dos que são escravizados, dos que morrem e dos mandam matar. Hoje redescobrimos
nossa vocação de ser semente que morre para ser fecunda, e voltaremos às nossas
casas caminhando e cantando, para demonstrar nossa alegria e para espantar o
medo. Que a vida seja sempre mais forte que a morte! Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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