O significado do acontecimento pascal não se
entrega à nossa compreensão em uma só vez. A realidade viva e esperançosa que o
evento da pascoa de Jesus nos comunica precisa de um longo tempo para germinar,
crescer, florescer e frutificar. Com sua peculiar sabedoria, a tradição cristã
prolonga o evento pascal nas sete semanas que se seguem à páscoa. Este período,
denominado tempo pascal, é um desafio e um convite a descobrir e acolher o
dinamismo da ressurreição em suas múltiplas facetas, uma novidade escondida nas
tramas da vida e na luminosidade translúcida das liturgias.
Os evangelhos fazem questão de não esconder as
dificuldades e a incrível lentidão com que os discípulos e discípulas vão se
abrindo à ressurreição de Jesus Cristo. O episódio dos discípulos que deixam
Jerusalém e voltam desolados à aldeia de Emaús é paradigmática. Lucas diz que
eles caminhavam desolados, e pareciam uma dupla de cegos. Eles não conseguiam
tirar da memória a imagem da prisão, do julgamento, da tortura e da morte de
Jesus na cruz. Para eles, o fracasso fora completo e arrasador, e não havia
como conciliar a esperança do esperado messias com um criminoso pregado na cruz...
O evangelista faz notar que “o próprio Jesus
se aproxima e começa a conversar com eles”. E começa perguntando pelo conteúdo
da conversa e pelo motivo da tristeza deles. Não chega impondo o tema ou
desviando do assunto. Com a sabedoria de mestre, conduz os discípulos ao mais
fundo da própria frustração, ao coração da própria dor, ao núcleo central dos
acontecimentos. E o faz caminhando com eles, num caminho de volta ao passado no
qual dormiam as esperanças. Sem este primeiro momento, o anúncio e o testemunho
da ressurreição poderia cair no vazio ou resvalar para o cinismo.
Caminhando e dialogando com os discípulos, Jesus
provoca neles a abertura a uma imagem de Deus despida das marcas do poder e do
saber. Obcecados por certa imagem de Deus e machucados pelo desengano de suas
esperanças, eles não conseguem compreender nada. Mas a perseverança de Jesus acaba
abrindo algumas pequenas brechas naquela terra seca. Eles se dão conta de que
já é tarde, e a noite se aproxima. Percebem claramente que um caminho sem
esperanças não leva a lugar nenhum. Sentem necessidade de um companheiro com quem
possam dividir o pão da dor.
A sede de companhia, somado ao desejo de
repartir, faz a diferença e abre as portas. Acolhendo o anônimo companheiro de
caminhada e partilhando com ele a vida e o pão, os discípulos passam da
cegueira à visão, da frustração à alegria, da escuridão à luz. A hospitalidade
e a partilha dão a eles a possibilidade de fazer uma releitura do percurso
feito, compreender melhor o que sentem e descobrir o significado profundo dos
acontecimentos que vivem. Só então eles dão atenção àquilo que sentiam quando
escutavam a Palavra. “Não estava o nosso coração ardendo quando ele nos falava
pelo caminho?”
A seu modo, Pedro demonstra que os apóstolos também
aprenderam esta lição. Com uma coragem inexplicável, ele se dirige aos
habitantes de Jerusalém e aos peregrinos, convida-os a compreender o sentido do
que estava acontecendo naquela manhã em que o fogo do Espírito abria portas e
caminhos, concedia sabedoria e inteligência, chamava e enviava: aquele Jesus de
Nazaré que fora humilhado até o extremo havia sido exaltado ao máximo. “Não era
possível que a morte o dominasse... Deus o ressuscitou dos mortos e lhe deu a
glória...” E nos acompanha neste tempo em que somos todos migrantes...
A fé cristã se fundamenta no testemunho, na
experiência pessoal ou dos outros. Cremos porque há uma corrente de homens e
mulheres que deram prosseguimento ao caminho e ao projeto vivido por Jesus
Cristo. Nesta “nuvem de testemunhas” Cristo se mostra vivo e ressuscitado, e os
sacramentos nos conduzem a esta realidade. Se esta corrente de testemunhas não
continuar, os frutos da ressurreição não chegam à mesa de ninguém. Por isso, cada
geração de cristãos precisa recriar o testemunho do Ressuscitado, discernindo
as exigências e oportunidades próprias do seu tempo. A jornada mundial de
oração pelas vocações, e a própria greve geral da sexta-feira, estão nesta
perspectiva.
Deus da vida: nossos pais e antepassados na fé
nos ensinaram a te chamar de pai, mas mostras que tens um coração de mãe. Tu
nos acompanhas nas curvas sombrias dos nossos fracassos individuais e coletivos,
nos confortas no aconchego do teu colo, seguras nossa mão e guias nossos passos
incertos, abres nossos olhos para encarar a realidade, encorajas à fidelidade
criativa e responsável. Vem em nosso auxílio na aventura de transformar a fé na
ressurreição do teu filho em projeto de uma vida comprometida com os pobres, doada
sem reservas e sem condições. Assim seja, neste tempo de nossa migração neste
mundo! Amém!
Itacir Brassiani msf
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