A Palavra e a ação de Jesus trazem à tona uma divisão tão
real quanto inaceitável: de um lado estão os chamados ‘publicanos e pecadores’,
e, do outro, estão os considerados ‘justos’, aqueles que se dispensam de
qualquer movimento de conversão. Na ideologia religiosa de Israel, os primeiros
são da parte do mal, os ímpios ou impuros; os segundos são os piedosos e puros,
‘gente de bem’. Fiel à sua experiência de Deus, no horizonte da tradição
profética, Jesus se aproxima e se coloca ao lado do grupo dos pecadores e
impuros, e afirma que, na lógica do Reino de Deus, os últimos são os
primeiros...
É isso que Jesus quer ilustrar com as três parábolas do
evangelho de hoje. As pessoas tachadas de pecadoras são como a ovelha perdida,
procurada com incomparável empenho pelo pastor, como uma pequena moeda
extraviada e procurada incansavelmente pela dona de casa, como um filho amado
que caiu no fundo do poço da degradação e da exclusão. O que importa não é o
que levou ao extravio, mas a alegria do pastor, da dona de casa e do pai.
“Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida... Encontrei a
moeda que tinha perdido... Meu filho estava morto e voltou a viver!”
Mas tenhamos muita atenção com a interpretação da terceira
parábola! Falando de dois filhos, Jesus estabelece uma clara correspondência
com os dois grupos que se dividem em relação a ele: os pecadores e excluídos,
que se aproximam para escutá-lo; os fariseus, que murmuram contra ele. A
parábola começa aparentemente dando razão aos fariseus e escribas. O filho mais
novo pede sua parte da herança, vai embora, gasta tudo sem o menor controle e
acaba empregado na criação de porcos em terra estrangeira. Aqui, a parábola
ressalta mais sua situação de miséria, exploração e marginalização que sua
culpa!
A situação desse filho é tão desesperadora que ele acaba se
convencendo de que perdeu todos os direitos e se resigna a ser tratado como
empregado na casa do próprio pai. Esta é a experiência subjetiva dos doentes,
estrangeiros, pecadores, mulheres e tantos outros no tempo de Jesus. Mas Jesus
sublinha que, aos olhos de Deus, não há gente de primeira classe e gente
desclassificada, filhos cheios de direitos e filhos deserdados. Para Deus a
humanidade é indivisível! Avistando de longe o filho miserável, e antes de qualquer
palavra de arrependimento, o pai vai ao encontro dele absolutamente comovido.
Eis a boa notícia! Deus se recusa a aceitar uma humanidade
dividida entre uns poucos que se presumem irrepreensíveis, merecedores de todos
os bens, e uma multidão que deve repetir o refrão das culpas que lhe atribuem e
mendigar até a simples sobrevivência. Deus rompe com as regras de uma justiça
estreita e escancara as portas da sua casa aos necessitados e pecadores. As
ações aparentemente exageradas do pai sublinham exatamente isso. Deus não se
contenta e possibilitar apenas que o filho sobreviva! O pai não lhe dá uma
roupa qualquer, mas a melhor túnica; não mata um simples novilho, mas o mais
gordo...
E uma ação de resgate da cidadania e inclusão social como
essa precisa ser solenemente festejada, sem dar atenção aos que murmuram e se
recusam a participar. Na postura e nas palavras do filho mais velho ressoam os
protestos e a presunção dos fariseus e escribas de todos os tempos e latitudes.
Para eles, os pobres sofrem por própria culpa, e os ricos vivem bem porque
merecem. Como não perceber aqui o eco do desconforto e da raiva das elites
brasileiras que, a golpe de mídia e de falsas legalidades, querem impedir o
bem-estar mínimo que os pobres conseguiram recentemente em terras brasileiras?
Jesus Cristo é a Palavra de Deus feita carne, o ‘sim’
irrevocável de Deus à humanidade. Nele todas as promessas de Deus se unificam e
recebem concretude. Nele o Verbo deixa de ser conceito e se torna ação. Nele
Deus liberta falando e fala libertando. Sua ação libertadora se condensa no
resgate da cidadania dos excluídos, e a Palavra vivificante se resume no
anúncio do início de um tempo, regido pela gratuidade e pela compaixão. É essa
a experiência que vira a vida de Paulo de cabeça para baixo e que ele descreve
na sua carta o amigo Timóteo. “É digna
de fé e de ser acolhida por todos esta Palavra...”
Tem paciência conosco, Senhor, mas não permitas que nos
fechemos em nós mesmos e nos interesses do nosso próprio e pequeno grupo. Tu
vieste ao mundo para salvar os pecadores, e nós somos os primeiros entre eles.
Tu vieste para libertar os oprimidos, e são tantos os que ainda só podem contar
conosco para terem sua dignidade reconhecida. Vem ao nosso encontro,
regenera-nos no teu abraço, toma-nos pela mão e faz com que entremos na tua
casa e participemos da festa de acolhida daqueles que estavam perdidos e foram
encontrados, estavam mortos e voltaram a viver. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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