O Papa São
João Paulo II ensinava que a profecia nasce da intimidade com a Palavra de
Deus. A pessoa que acolhe e escuta a Palavra sente a voz de Deus queimar como
brasa e não consegue ficar indiferente diante das práticas de exploração, opressão
e de discriminação. O próprio Jesus confirma isso: depois de ler e acolher a
palavra do profeta Isaías, se propõe a cumpri-la fielmente, esquecendo-se dos
próprios parentes e compatriotas e priorizando as pessoas mais pobres
necessitadas. Rompendo com as expectativas do seu povo e sua família, Jesus terá
que enfrentar sua oposição e perseguição.
A vocação
profética é essencial na vida cristã. A Igreja é uma comunidade profética,
sacerdotal e de serviço. Mas ninguém é instituído profeta, nem aprende este
ofício num seminário ou numa escola de teologia... A profecia é dom do
Espírito, dom que recebemos com temor e tremor. Ela nasce e se desenvolve no
ventre de uma comunidade que se coloca à escuta da Palavra de Deus. Quem não se
fecha à voz de um Deus que fala e interpela, sente a Palavra queimar suas
entranhas e não consegue viver indiferente frente à causa de Deus, que é a
causa dos pobres, das vítimas, dos excluídos.
Uma
comunidade que ouve e medita a Palavra acaba também avançando e amadurecendo no
serviço à Boa Notícia de Deus. Vemos isto na experiência de Jeremias. Ele tem a
sensação de que a Palavra que o chama é anterior ao seu próprio nascimento.
“Antes de formar-te no seio de tua mãe, eu já contava contigo. Antes de saíres
do ventre, eu te consagrei e fiz de ti profeta para as nações.” É isto que
percebemos também no próprio itinerário de Jesus: depois de ler e acolher a
palavra do profeta Isaías na sinagoga de Nazaré, ele conecta irreversivelmente
a sua vida com a causa dos oprimidos.
Às vezes
escutamos falar da solidão que experimentam as pessoas que exercem o poder.
Tanto na sociedade como na Igreja, parece que as pessoas estabelecidas em
autoridade experimentam um certo distanciamento dos seus semelhantes. Talvez
aqui se misturem sentimentos de superioridade quase divina por parte das
autoridades e temores um pouco infantis e doentios por parte dos outros. Mas há
também uma solidão que nasce da fidelidade ao Evangelho: na medida em que
descobre que sua missão não é delimitada pela família ou pela própria raça, o profeta
acaba frustrando as expectativas dos próprios compatriotas e familiares e sendo
isolado.
Um olhar
atento aos evangelhos nos leva a perceber como Jesus foi experimentando esta
progressiva marginalização. Houve um momento em que sua fama se espalhava por
toda a região e todos o elogiavam (Lc 4,14-15). Enquanto lia as escrituras,
todos tinham os olhos fixos nele e testemunhavam a seu favor, maravilhados com
as palavras cheias de graça que saíam da sua boca (Lc 4,22). Mas o entusiasmo
logo se transformou em fúria e desejo de eliminá-lo (Lc 4,28-30), quando ele
questionou a ideologia do privilégio dos judeus frente aos pagãos. Elias e Eliseu lhe serviram de paradigma...
A
profecia tem seu preço, e tanto a pessoa como a instituição que a encarnam
devem estar dispostas a pagá-lo. Jesus recorre a um provérbio da sabedoria
popular e diz que nenhum profeta bem recebido em sua própria terra. Mas este é
apenas um lado da medalha. O outro lado é o seguinte: nenhum profeta que sente
a compaixão de Deus queimar suas entranhas consegue permanecer preso aos
estreitos muros da raça, da nação, da religião ou de qualquer instituição. O
profeta é um incansável transgressor de fronteiras, um incurável construtor de
brechas.
É na
debilidade que somos fortes, diz Paulo. Escrevendo aos cristãos de Corinto, ele
chama a atenção para a centralidade do amor e a relatividade de todas as
funções e instituições. Se a profecia deslizar para o discurso enraivecido,
incoerente e acusatório, será pouco mais que nada. O que dá consistência e
verdade à profecia é o amor, este dinamismo que reconhece a dignidade do outro
como outro e o serve em suas necessidades. A profecia que brota do amor,
orienta-se pelo amor e conduz a um amor que não reconhece fronteiras. E o amor
está acima de todo conhecimento e até acima da fé...
Jesus de Nazaré, profeta de um mundo sem fronteiras
nem hierarquias, amigo dos pequenos e oprimidos! Cura nossos ouvidos, e faz que
se abram à tua Palavra. Que nossa resposta à Palavra que chama, forma e envia
seja breve e envolvente: “Hoje esta palavra se cumprirá em mim!... Eis-me aqui,
Senhor!...” Ajuda-nos a acolher a missão profética que nos confiaste ainda no
seio materno e que devemos continuar, apesar das nossas fraquezas. Abre nossos
olhos e nossas mãos ao amplo e diverso mundo a ser construído, um mundo que
desconhece e os estreitos muros das culturas, nações e religiões. Assim seja!
Amém!
Itacir
Brassiani msf
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