Em pleno
mês dedicado à Palavra de Deus, somos convidados a dizer, como o profeta
Isaías: “O Senhor Javé abriu os meus ouvidos e eu não fiz resistência nem
recuei.” Na estrada longa e bela estrada do discipulado, precisamos pedir a
cada manhã que o Senhor abra nossos ouvidos e que sejamos capazes de acolher
sua Palavra e fazer dela a luz dos nossos passos, mesmo quando ela nos indica
rumos e práticas deveras exigentes. É dessa escuta atenta, inteligente e
despojada que pode brotar um anúncio correto e uma prática coerente. Então o
ouvinte se torna testemunha e mensageiro.
Os
discípulos atravessam com Jesus a região de Cesaréia de Filipe, lugar-símbolo
da submissão de Herodes ao imperador romano e da capitulação frente à cultura
grega. Nesta travessia, Jesus os provoca a fazerem uma avaliação da sua pessoa
e sua missão. “Quem dizem os homens que eu sou?” Segundo os discípulos, as
resposta coincidem no reconhecimento de Jesus como profeta: “Alguns dizem que
tu és João Batista; outros, que és Elias; outros ainda, que és um dos
profetas.” Mas Jesus não se satisfaz com respostas simplesmente ouvidas e
relatadas, e pede o que os próprios discípulos pensam dele, que lugar ocupa na
vida deles. “E vós, quem dizeis que eu sou?”
A
resposta a esta pergunta não pode ser teórica. Crer em Jesus significa
aceitá-lo como definidor das nossas relações e como elemento fundamental na
construção da sociedade. É muito mais que aceitar de forma resignada e
inconsequente alguns conteúdos religiosos. Alguns pregadores lamentam que hoje
as pessoas crêem em Jesus Cristo mas não aceitam a Igreja. Será que não é pior
aceitar e defender a Igreja sem crer de forma consequente na pessoa e na
prática de Jesus? São Tiago pergunta: “Que adianta alguém dizer que tem fé
quando não a põe em prática?”
Parece
que a pergunta direta de Jesus provocou nos discípulos um calafrio geral. Pedro
responde em nome de todos: “Tu és o Messias, o Cristo.” A resposta é
formalmente correta, mas nela há algo de errado ou perigoso, pois Jesus os “proibiu
severamente” que eles falassem a respeito dele. Parace que a profissão de fé de
Pedro está enredada nas malhas do triunfalismo e numa imagem de um Deus que se
caracteriza pelo poder. Esta resposta não dá conta da complexa identidade de
Jesus, que é irmão, servo e profeta, cordeiro de Deus, filho do homem, etc.
Por isso,
Jesus censura nossas fantasias de sucesso e de poder e, ao mesmo tempo, fala
abertamente que o Filho do Homem deve sofrer muito, e experimentar a rejeição e
a morte. Ele substitui o título de Messias por “filho do homem”, vinculando-se
assim profundamente à humanidade e suas aspirações. Enquanto a idéia messiânica
de Pedro contém necessariamente o triunfo e o nacionalismo, o caminho assumido
por Jesus leva ao confronto político com a ordem estabelecida e à rejeição. O
sofrimento, que ele prevê, é o custo da luta da sua humanização e não uma
espécie de capricho de Deus.
Aceitar
isso não é coisa fácil, nem para Pedro nem para nós, tanto que Pedro levou
Jesus para um lado e começou a repreendê-lo, revelando sua incapacidade de
aceitar o caminho de compaixão e serviço a dificuldade de passar das
declarações ortodoxas para as práticas consequentes. “A fé, se não se traduz em
obras, por si só está morta”, dirá mais tarde o discípulo Tiago. E as obras
geradas no fecundo ventre da fé são conhecidas: compaixão, solidariedade,
serviço, humildade. Numa palavra: as obras da fé são o amor vivido como
afirmação e defesa da dignidade do próximo!
Marcos
diz que Jesus reagiu olhando para os discípulos e repreendendo Pedro. Para
Jesus, Pedro estava agindo como tentador
e divisor, com mentalidade limitada e sectarista. E quem pensa e age assim
é porta-voz do Satanás, rejeita a Palavra de Deus e se apega às tradições
humanas (cf. Mc 7,1-13). Por isso, em pleno território da bajulação e da subserviência,
Jesus esclarece: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua
cruz e me siga. Pois quem quiser salvar sua a sua vida vai perdê-la; mas quem
perde sua vida por causa de mim e da Boa Notícia, vai salvá-la.”
Jesus, força de Deus na fragilidade humana, Palavra
divina nas tramas da história, mestre do serviço num mundo de senhores e
senhoras. Sustenta e corrige nosso desejo de receber teu batismo, de enfrentar
os rechaços e de seguir teus passos. Ajuda-nos a negar nossos interesses
egoítas para não renegarmos a ti, fonte de vida sem limites. Convence-nos de
que salvar nossa própria vida é um mau investimento, e que arriscá-la pelo teu
Reino nos assegura o que há de bom e que realmente necessitamos. Abre hoje
nossos ouvidos à tua santa Palavra, e não nos deixes voltar para trás. Assim
seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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