Será que não valemos muito mais que as flores
e os pássaros?
Somos pessoas do nosso tempo. Andamos ocupados
com muitas coisas. O problema não é simplesmente a ocupação, mas a pré-ocupação
com a sobrevivência e bem-estar individuais. Preocupação é aquilo que
monopoliza nossos interesses, que toma a nossa atenção e invade nossos
sentimentos antecipadamente, produzindo ansiedade, insegurança, medo; é uma
espécie de obsessão que sequestra o coração e a mente. Preocupam-nos a
segurança, o que os outros pensam de nós, que eles passem à nossa frente, as
provisões para o futuro, e tanta coisa mais... Nem o clima de carnaval nos
livra disso...
A palavra ‘preocupação’ aparece cinco vezes no
evangelho deste domingo! Jesus questiona clara e fortemente nossa excessiva preocupação
com a comida, a bebida e a segurança, como se o mundo girasse em torno de nós
mesmos e nossos medos e necessidades. Mas reagimos a ele educadamente, dizendo
que comida não cai do céu, que bebida não costuma vir com a chuva, que Deus
ajuda quem cedo madruga... Em nome do necessário bom senso e da superação da
passividade, cresce o número daqueles que guardam o Evangelho na gaveta das
lembranças da primeira comunhão e decidem a vida sem ele.
Mas não podemos esquecer que, ao lado das
pessoas e grupos que pensam que o dinheiro e a segurança são indispensáveis à
felicidade, cresce uma multidão que carece do mínimo para viver. E Jesus nos lembra que estas questões
fundamentais são sociais, e não podem ser resolvidas privadamente, numa luta
predatória na qual os mais fortes e astutos derrotam e desfrutam tranquilamente
dos mais fracos. Por isso, afirma de forma lapidar: “Vós não podeis servir a
Deus e ao dinheiro!” Nossa preocupação primeira deve ser com a carência de
comida e de bem-estar dos outros, e não conosco mesmos!
Sem ceder à evasão e à ingenuidade, Jesus
questiona a carência produzida pelas políticas sociais restritivas, que flexibilizam
os poucos direitos trabalhistas, reforçam a segurança jurídica dos empresários (como
vem fazendo o governo federal!) e submetem os pobres à ‘ditadura da
sobrevivência’. “A vida não vale mais que a comida? O corpo não vale mais que a
roupa?” No centro de tudo deve estar a vida de cada pessoa e suas necessidades.
Comida, bebida, casa, saúde e todos os bens econômicos e culturais estão a
serviço da vida e da dignidade da pessoa, e não podem substituí-la.
Jesus desafia as pessoas que têm bens em abundância
e encoraja aquelas que têm pouco ou nada. Ele nos convida a contemplar os
passarinhos e as flores e aprender as lições que nos ensinam: eles não conhecem
a preocupação nem a ansiedade, mas não lhes falta alimento nem beleza. Deus
provê a cada criatura aquilo que ela necessita! “Será que vocês não valem mais
que os pássaros? Deus fará muito mais por vocês!” Grandes preocupações nada
podem acrescentar à nossa vida. Ocupar-se com o bem-estar dos outros – com o
Reino de Deus, vida para todos – pode melhorar a vida deles, e a nossa!
É verdade que a certeza de que a nossa vida
está nas mãos de Deus não nos dispensa de tomar iniciativas, de agir e projetar
com prudência. Mas tudo começa e tem sua base na convergência dos nossos
interesses e preocupações no Reino de Deus, não dividindo com nada e ninguém essa
entrega. Isso significa seguir Jesus Cristo, fazer-se discípulo dele,
reproduzir na própria vida sua pró-existência, perder a vida para que todos
tenham vida, assumir a causa dos pobres, desvalidos e oprimidos... Enfim, importar-se
com os outros como a mãe se importa com o sofrimento dos seus filhos.
Jesus insiste na inutilidade da preocupação
obsessiva com as próprias necessidades, mas está longe de aceitar ou propor a
indiferença diante das necessidades primárias dos outros. Nada mais contrário
ao seu ensino e à sua prática! A busca do Reino de Deus é exatamente o empenho
pessoal em prol de um mundo justo e fraterno, que assegure a todas as pessoas a
satisfação das suas humanas necessidades e direitos. Para os cristãos, a
necessidade material dos irmãos é um desafio espiritual. Paulo nos lembra que somos
servidores e administradores dos dons que Deus concede à humanidade e a ela se
destinam.
Voltamos nosso olhar a ti, Deus pai e mãe, e
nas Tuas mãos depositamos nossas necessidades, anseios e preocupações. Queremos
servir somente a Ti, e a nenhum outro senhor! Ajuda-nos a buscar o Teu Reino
acima e antes de tudo, e ensina-nos a lição dos pássaros do céu e dos lírios do
campo. Livra-nos da preocupação obsessiva com nossas próprias necessidades, e
não permitas que sejamos seduzidos pelo reino de mammon, o terrível e
sanguinário senhor e defensor da riqueza de poucos. E que as necessidades dos
nossos irmãos sejam a única preocupação a tirar nosso sono e nossa
tranquilidade... Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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