No evangelho desse domingo, Jesus responde à
pergunta sobre como reagir frente às situações de violência e seus agentes. Ele
conhece bem a lei judaica que, para limitar uma violência reativa e
desproporcional à violência sofrida, propõe não passar do “olho por olho” e do
“dente por dente”. Por mais estranho que nos pareça, a lei de talião representa
um avanço em relação à lei que facultava a reação violenta e desproporcional do
mais forte e ferido sobre os mais fracos. Jesus aponta os limites deste
preceito: pagar com a mesma moeda não erradica a violência que ofende, machuca
e mata.
Jesus ensina e pede para não reagirmos com
violência à ação dos violentos. Mas ele vai mais além, ilustrando e
concretizando sua proposta de não-violência ativa em três situações: o tapa no
rosto, ato de humilhação considerado um direito dos superiores; o processo de
penhora da roupa de um pobre endividado, visto como direito dos credores; a
obrigação de acompanhar a marcha dos soldados a serviço do império, carregando
às costas as armas que se voltavam contra o próprio povo. Mas, atenção! A
proposta de Jesus não tem nada a ver com submissão e passividade!
Oferecer a outra face significa permanecer
senhor de si e desafiar a legitimidade de um sistema projetado para humilhar.
Dar o manto a quem penhora a túnica (desnudar-se publicamente!) significa
revelar a humanidade que a todos irmana e denunciar a avareza violenta e
espoliadora dos credores. Caminhar o dobro do percurso que o soldado servil determinou
significa não aceitar o jogo do império, questionar a hierarquia, tomar a iniciativa
e decidir a ação. Por isso, parece claro que a proposta de Jesus tem como meta
eliminar o círculo vicioso que liga as ações e reações violentas.
O fato o é que sempre classificamos as pessoas e
dividimos o mundo em amigos e inimigos. Amamos e respeitamos os que estão próximos
e alimentamos suspeitas ou somos indiferentes em relação aos estranhos. O
conceito próximo abrange uma certa diversidade de gênero, riqueza, parentesco e
etnia, e a imagem do inimigo não se limita aos adversários nacionais ou aos
membros de outras religiões, mas se estende a todos os oponentes pessoais. É
aqui que entra o mandamento de Jesus: nosso amor não pode se restringir aos
iguais, aos próximos, mas deve chegar aos estranhos e distantes, até aos
inimigos.
Talvez hoje situemos entre os inimigos (reais
ou potenciais) as pessoas e grupos que ameaçam nosso bem-estar e nossos
privilégios ou questionam nossa supremacia em termos de competência, gênero,
religião, cultura, etc. Pedindo que amemos nossos inimigos e até rezemos por
aqueles que nos perseguem, Jesus está sublinhando que condição social, a etnia,
o gênero e a religião não podem ser limites que restringem o dinamismo do nosso
amor. O amor entre os iguais pode ser egoísmo! Rezar por quem nos persegue
significa clamar pelo fim da opressão e das estruturas que as sustentam! Amar o
inimigo significa ir além do que ele é hoje e amar aquilo que ele pode ser:
irmão e parceiro!
Jesus resume sua proposta ética e espiritual
numa frase: “Sejam perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito.” A perfeição
do Pai faz com que a chuva beneficie tanto os justos como os injustos e o sol
ilumine tanto os bons quanto os maus. Ser perfeito como o Pai celeste significa
não impor condições nem ter reservas, ser inteiro e verdadeiro em tudo e com
todos, pois, como nos lembra Paulo, todos – nós, os outros, a comunidade
eclesial e a comunidade humana! – somos santuários de Deus e templos do
Espírito Santo. Que ninguém ponha sua gloria no próprio grupo, etnia, gênero,
igreja, religião!
Jesus, mestre e servidor da liberdade, de
todas as liberdades: ajuda tua Igreja a vencer o medo da liberdade e da verdade
que viveste e ofereceste a todos. Faz que nossas comunidades sejam laboratórios
nos quais as pessoas de boa vontade se exercitem no
respeito e na promoção da dignidade de todos os teus filhos e filhas, inclusive
no amor aos inimigos. E dá-nos a sábia loucura que espanta os doutores mas
seduz as pessoas que não sacrificaram sua humanidade no altar do egoísmo
predatório. Queremos ser filhos do teu e nosso Pai, generosos e perfeitos na
misericórdia e na compaixão solidaria! Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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