A experiência religiosa está ligada a lugares, tempos,
normas, símbolos e ritos que a expressam e tornam palpável. Nos seus salmos, o
povo hebreu suspirava: “Como são desejáveis as tuas moradas, Javé dos Exércitos! Minha alma suspira e desfalece
pelos átrios de Javé... Felizes os
que habitam em tua casa: eles te
louvam sem cessar... Mais vale um dia em teus átrios do que mil em minha casa”
(Sl 84/83). Mas até o templo, intimamente relacionado com a vivência da fé, pode
ser ambíguo. E a quaresma nos ajuda a purificar o olhar, o pensar e o agir,
inclusive em relação ao templo.
Entrando no templo e expulsando os comerciantes e
cambistas, Jesus denuncia o uso do nome de Deus para fins de exploração e diz
que, na prática, aquela gente que havia se apropriado do templo e o
administrava cultuava outros deuses. E hoje não é diferente, pois muitas são as
pessoas que invocam o nome de Deus para justificar sua prosperidade e refutar
as lutas dos pobres; que excluem e violentam em nome da própria honra; que só
têm olhos para si mesmas e seus interessesfazem de tudo para defender e
aumentar seus bens; estão prontas a defender o templo, mas não se interessam
pela justiça.
Jesus vai a Jerusalém e entra no templo num momento
festivo e forte. Na festa da páscoa a cidade ficava entulhada de peregrinos, e
o comércio fervia e faturava. Estima-se que, por ocasião das festas pascais, no
templo de Jerusalém eram sacrificados mais ou menos 18000 animais! E os
vendedores de animais e os cambistas estavam lá para facilitar os ‘negócios de
Deus’. O povo chegava de todos os lados para oferecer os sacrifícios, e para
isso, precisava comprar os animais. Como a lei proibia o uso de moedas com
imagens dos reis e dos impérios, lá estavam os cambistas.
Jesus fica simplesmente indignado com tudo isso. O
zelo pelo bem-estar do povo o inflama e consome. As próprias autoridades
religiosas, usando a fé e o nome de Deus em vão, haviam transformado o templo
em espaço e instrumento de exploração. Jesus expulsa os comerciantes, derruba
as mesas dos cambistas e pede aos vendedores de pombas que levem suas gaiolas
embora. “Tirem isso daqui!” Jesus mostra-se mais indignado com estes últimos,
pois são os exploram a fé dos mais pobres, daqueles que, por sua miséria, só
podiam comprar e oferecer pombas (cf. Lv 5,7; 14,30).
Não esqueçamos que essa é a primeira ação propriamente
pública de Jesus relatada por João. Por isso, os dirigentes do templo reagem
solicitando as credenciais de Jesus, perguntando com que direito ele faz isso.
“Que sinal nos mostras para agir assim?” Os dirigentes pouco se importam com a
exploração dos pobres. Estão interessados nas credencias de Jesus! Eles não
querem apenas saber se Jesus se apresenta como profeta, já que fazer um chicote
e ‘botar ordem’ no templo era um gesto ligado à chegada do Messias. Querem uma
demonstração de que ele é mesmo o Messias esperado.
Lembremos aqui o que diz Paulo, ilustrando aquilo que
é visto como importante até hoje: “Os judeus pedem sinais e os gregos procuram
sabedoria.” Traduzindo numa linguagem atual: uns procuram e valorizam gestos
grandiosos, demonstrações de poder; outros confiam no conhecimento e no saber
bem organizado. Mas o poder e a sabedoria de Deus brilham em Jesus de Nazaré,
servidor da humanidade, crucificado por amor. Infelizmente até hoje temos Igrejas
e movimentos que não fazem outra coisa senão promover cultos e ‘milagres’
espetaculares e prometer sucesso e prosperidade...
Com sua desconcertante ação simbólica, Jesus faz bem mais
que purificar o templo ou corrigir suas práticas. Ele declara que o templo não
é mais mediação de Deus, que os sacrifícios são inúteis. A partir de Jesus,
Deus se deixa encontrar na humanidade das pessoas que amam e na comunidade que
serve. O templo permanece unicamente como espaço de encontro e lugar para fazer
memória e cultivar a esperança. A verdadeira sacralidade migra do templo para
os corpos ddos filhos e filhas de Deus e para as ações concretas do corpo de
Cristo, que é a comunidade eclesial.
Senhor Jesus, para muita
gente, teu ensinamento e tuas atitudes parecem exageradas e loucas. Pensam que
uma religião que prioriza o corpo seja coisa destinada ao fracasso. Estão
habituados a decorar leis, frequentar cultos, oferecer sacrifícios e ouvir
condenações. Mas Paulo diz que loucura de Deus é mais sábia que os homens e a
fraqueza de Deus é mais forte que os homens!... Vem de novo, Jesus, e limpa as
Igrejas do entulho moralista e autoritário. Que nossas comunidades sejam teu
corpo, constituído de membros igualmente dignos e solidários, continuadores do
teu serviço solidário. Amém! Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário