Jesus no
deserto supera a tentação, fortalecido pela Palavra de Deus que é mais
importante do que a comida e a bebida. Jesus jejuou no deserto. Jejum e deserto
estão intimamente relacionados entre si. Ambos
nos confrontam com nossa nudez. O jejum nos torna ainda mais vulneráveis.
Não temos mais nada com que entupir o vazio que está emergindo, com que
pudéssemos reprimir os desejos e as necessidades que estão se manifestando.
Desse modo pode aflorar tudo o que está dentro de mim, meus desejos e anseios
não satisfeitos, minha avidez, aqueles pensamentos que giram unicamente em
torno de mim, meu sucesso, minhas posses, minha saúde, meus sentimentos,... O jejum descobre quem sou eu. Mostra-me
meus perigos e indica-me onde tenho que começar a lutar.
Um teste que
mostrará se estou jejuando é não falar mal da outra pessoa. Se falo mal da
outra, é porque não entendi o sentido do jejum.
O jejum
consiste em lutar contra os hábitos maus das paixões, e deve fazer-nos crescer
no amor fraterno.
O verdadeiro objetivo do jejum, da ascese é
tornar-nos transparentes para Deus, de buscarmos um coração puro e uma vida em
vigilância, viver com autenticidade diante de Deus. O jejum intensifica a
oração, pois rezamos a Deus com o corpo e a alma; confessamos com nosso
jejum que sozinhos não podemos absolutamente nada, que dependemos inteiramente
da ajuda de Deus. Portanto, o objetivo
do jejum da Quaresma e da purificação é a pureza e a clareza interior da
pessoa. O jejum é considerado caminho para a contemplação. A oração torna-se
mais pura e clara. Já não é perturbada pela sujeira interior.
O jejum é um recurso pedagógico que nos
conduz a experiência da nossa vulnerabilidade e das carências humanas das quais
normalmente fugimos. Jejum, é de certa maneira, um tornar-se vazio. Jejuar não
é ter fome. Não se trata da falta de alimento. É um ato voluntário de
purificação que tem por finalidade despertar a vigilância.
Gandhi jejuava
cada vez que sentia que suas palavras não surtiam efeito, que suas negociações
e apaziguamentos não tinham êxito. Para ele, o jejum era uma ação política.
Contudo, ao mesmo tempo, era oração, uma confissão de que, naquele caso,
somente Deus podia transformar o coração dos seres humanos. E dizia: “Meu jejum é um assunto entre Deus e eu”.
Há uma relação
muito estreita entre jejum e Eucaristia, pois a pessoa que jejua renuncia à
comida e a bebida, a suas necessidades orais. Na Eucaristia, porém, celebramos
a comida e a bebida, o ato mais intimo da relação com Deus. Ao comer o corpo de
Cristo e ao beber seu sangue, o ser humano se torna um com Deus, Ele se torna
nossa própria vida. A Eucaristia, mostra
que, no fundo, o jejum tem uma função positiva. O verdadeiro sentido da comida
e da bebida é unir-se a Deus. Na Eucaristia, o ser humano faz a experiência
de que o próprio Deus satisfaz suas saudades, seus anseios, e assim o liberta
do medo de precisar agüentar para sempre o nada que há em sua existência.
O jejum
prepara os sentidos para as coisas que estão além deste mundo e para a
contemplação de Deus. Um provérbio diz: Come
com medida para amar sem medida. Jejua para ver”.
A Quaresma significa um jejum verdadeiro,
um jejum de corpo e alma. Pertence a esse jejum certamente, a conversão espiritual; justamente
porém, não uma simples conversão na
cabeça e na vontade, mas também no corpo. Ele ajuda a abrir-nos totalmente
para o mistério de nossa salvação na cruz e ressurreição de Cristo; pois o
jejum está a serviço da renovação da vida.
O ser humano não está simplesmente à mercê de suas
emoções e paixões. O alvo é o ser humano
inteiramente livre, que em sua liberdade se tornou simultaneamente um com Deus.
O alvo supremo da liberdade é o amor, a entrega a Deus e a entrega em favor dos
irmãos.
Ascese
significa exercício, treino, para conseguir determinadas atitudes interiores e
recuperar o domínio de si. E aí a atitude da liberdade é inteiramente
decisiva. Para os Padres da Igreja, o
objetivo da ascese é a liberdade, é a contemplação de Deus. Ascese serve ao
místico para tornar-se aberto para Deus e, na contemplação de Deus, tornar-se
um com ele. A ascese também hoje pode ser um caminho para a liberdade.
A
renuncia é um teste para mostrar que ainda somos nós mesmos que determinamos e
dispomos sobre nós, em vez de nos deixarmos determinar, que vivemos ainda nós
mesmos, em vez de sermos vividos. Portanto, a renuncia é um exercício na liberdade.
A
renuncia que ensaiamos na quaresma, não é apenas um caminho para a liberdade,
mas é também manifestação de nossa liberdade. A Deus nada precisamos provar
com nossa renuncia. Jejuar como renúncia é, antes, expressão de que pertencemos
a Deus, e não ao mundo; que pertencemos a nós mesmos, e não as nossas paixões e
vícios, a nossas necessidades e desejos. Podemos
afirmar quantas vezes quisermos que pertencemos a Deus. Se isso não se expressa
de algum modo, tudo não passa de palavras bonitas. A renúncia é expressão de
que realmente somos livres. E de tempos em tempos, precisamos uma
manifestação dessas para nossa liberdade.
Ir. Maria Celeste da Cruz
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