A Cruz é a imagem da arvore da vida. Para Santa
Gertrudes, a cruz torna-se uma imagem do amor superabundante de Jesus que a
atinge desde a cruz.
Para crescer para a forma única, singular e original
que Deus imaginou para cada um de nós, precisamos permitir que as ilusões que
criamos acerca da vida sejam esmagados por muitas tribulações e sofrimentos. A
cruz é uma imagem daquilo que cruza e contraria diariamente nosso caminho e
nossa vida para quebrar as idéias erradas que construímos em relação a nós
mesmos. Nossas autoimagens devem ser transformadas pela cruz, para que nós,
nosso verdadeiro ser, possa brilhar de modo cada vez mais claro e belo.
Aqui, não se trata da disposição para o martírio,
mas do SIM para as tribulações diárias que a vida traz consigo. Quem quer
ser discípulo de Jesus deve distanciar-se do constante girar em torno de seu
próprio ego, oferecer-se a Deus, entregar a Ele a própria vida, dizendo SIM a
tudo aquilo que o Pai permitir acontecer, dizendo SIM a uma vida que contraria
as próprias idéias e projetos.
Para São João, a cruz é a plena realização da
encarnação. A cruz é o momento em que brilha a glória de Deus, é a verdadeira
revelação da glória de Deus. Em sua elevação, o amor de Deus que foi o motivo
para que Deus se tornasse um ser humano, torna-se visível para todos os seres
humanos.
A cruz colocadas em nossas paredes deve nos lembrar
sempre e em todas as circunstancias que estamos envolvidos pelo amor de
Deus, que o amor de Deus se abaixa até a poeira de nosso dia a dia, para ali
nos tocar e nos curar amorosamente em nossos aspectos mais vulneráveis. Ela
quer nos lembrar sempre que somos amados por Deus, com um amor que se abaixa e
se inclina até nossos pés, até as partes mais desprezadas do nosso corpo e da
nossa alma, até as câmaras mais escuras de nosso coração, aquelas que nem nós
mesmos queremos enxergar.
Karl Rahner em sua interpretação da cruz, diz que
“Jesus experimentou a morte como abraçada a vontade de Deus que Ele anunciou
como proximidade de perdão a todas as pessoas”. E continua dizendo: “A morte
também se abate sobre nós, e ao mesmo tempo ela é um convite a deixar-nos cair
nas mãos de Deus. Portanto, a morte é a plenificação do amor e da
obediência. Nela, Jesus entrega-se ao Pai e confia-se em seus braços
amorosos”.
"A morte não é o fim cruel de nossa vida, mas
o matrimônio com Deus, a última fusão com Deus cujo amor resplandeceu até a
perfeição na morte de Jesus. Ela é a porta para o amor incondicional de
Deus".
Na cruz, o amor perdoador e apaixonado de Deus
torna-se historicamente palpável, manifesto, e alcança assim seu auge que não
pode ser ultrapassado.
Eu
sou apaixonada por Deus? O que parece impossível é possível para um apaixonado. Um apaixonado é
um louco que chega mais longe para poder encontrar-se com sua paixão. Sofre
dificuldades, porém continua. Temos de recuperar a loucura dos apaixonados.
Não é fácil saber o que é o amor. Nós experimentamos
o amor no coração do homem e da mulher, na história humana, porém, em Deus, o
que é o amor? Para obtermos a resposta, temos de observar o que Deus faz quando
seu Filho realiza o mistério da salvação. O Filho tomou uma rota muito difícil
de entender. Deus é tudo, mas quando vem a nós se faz pequeno para encontrar-se
conosco. Ninguém sabia que em Belém havia nascido Deus, filho de Maria e de
José. Os pastores, os anjos, os magos, um punhado somente. Que Deus é este
que se abaixa, que escolhe a cruz? A cruz é justamente o contrário do que é
Deus. Deus é santo, a cruz é pecado. Deus é eterno, a cruz é a morte. Deus é a
beleza, a cruz é feiúra. Então, por que escolher esse caminho? Deus
coloca-se no nosso nível. Temos de assumir mais decididamente o caminho da kénosis, que é a essência do amor. O
amor não se impõe, se dá! Parece uma debilidade, porém é uma força.
Devemos deter-nos no momento prévio à morte de Jesus.
Ele tem uma relação íntima com seu Pai porque assumiu nossa situação até a
contradição. Como se por assumir nossa humanidade houvesse perdido o centro de
sua vida, se Pai, humanamente falando. “Meu
Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Grito de solidão.
Grito sem resposta humana. Grito dificílimo. E o Pai não responde. Entretanto,
Jesus permanece fiel: “Pai, em tuas mãos
eu entrego o meu espírito” (Lc 23,34) minha vida. E hoje podemos dizer que
no mistério da cruz, no mistério pascal há um testemunho de Deus para nós
tão grande que é capaz de chegar a esse limite de amor. Se quisermos amar como Deus ama, temos de
chegar a estar o mais perto possível de Jesus.
Precisamos aprender a dialogar sem julgar, sem
impor. Temos de adquirir esse equilíbrio. Devemos dar testemunho kenótico ao mundo. Para isso temos de
desprender-nos de tudo aquilo que não expressa o Evangelho e receber todo o
valor que provém dele. Se não tivermos maturidade humana, se nos pesam as
carências, se nossa história nos causa danos, não poderemos expressar o Deus
Amor.
O
caminho é o amor, o despojamento até a morte.
Jung diz que, “a cruz é o símbolo que Deus se tornou
ser humano e sofreu com o ser humano. O ser humano tem de sofrer quando Deus
quer se tornar humano dentro dele. Sofrer significa a colisão de
contradições e opostos”.
No
ponto de encontro onde os madeiros se cruzam, no centro da cruz, todos os
opostos do ser humano sossegam, e o ser humano encontra o seu próprio centro.
Aceitar a cruz significa também dizer SIM ao escuro dentro de si e
reconciliar-se com suas próprias sombras. Tornar-se humano pode dar certo apenas
quando reconciliamos os opostos e contradições dentro de nós.
Termino com uma frase do Evangelho de São João
19,37: “Olharão para aquele que transpassaram”.
A verdadeira redenção acontece no olhar. Vivemos hoje a redenção se
olharmos para Cristo transpassado na cruz e meditarmos entrando nele. No
olhar nós nos fundimos com o olhado, nós nos fundimos com o amor de Jesus
Cristo, com o qual ele nos amou até o extremo, de dar a vida por cada um de
nós. O olhar com que Jesus no Calvário posou sobre os presentes, abraçou
toda humanidade e continua hoje a olhar-nos, no desejo de cruzar com nosso
olhar para nos transfundir a riqueza de seu amor.
Ir. Maria Celeste da Cruz
Nenhum comentário:
Postar um comentário